Folha de S. Paulo


Os protestos e a frustração da sensação de bem-estar

Milhares e milhares de pessoas tomam as ruas das principais capitais hoje, numa das maiores e mais bonitas manifestações que o Brasil já viu. Infelizmente, não faltaram também cenas de violência.

Sob a ótica econômica, a situação parece inverossímil. Nos últimos anos, 40 milhões de pessoas saíram da pobreza e migraram para a classe média. A taxa de desemprego é hoje de apenas 5,8%.

O que está acontecendo com o Brasil?

É óbvio que a economia é um pedaço do mosaico de razões que revoltou os brasileiros, mas uma análise mais cuidadosa pode jogar um pouco de luz nesse túnel ainda tão escuro.

Nos últimos 12 meses, os preços dos alimentos subiram 14%, pesando no bolso dos mais pobres. A inflação dos serviços - que abrange um universo que vai de salão de beleza a consultas médicas e impacta direto na classe média - avançou 8%.

Uma parcela dessa alta do preço dos alimentos é culpa do governo federal, que forçou uma desvalorização do real para ajudar a indústria. O problema é que isso exacerbou o repasse da alta global das commodities.

O efeito do real mais fraco chegou com força a partir do início do ano, período em que as pessoas tradicionalmente tem que arcar com material escolar, seguro do carro, condomínio e etc...

E o pior: os brasileiros assistiram a inflação e a perda do valor da moeda corroerem a sua renda em um momento em que estavam atolados em dívidas.

Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o porcentual de famílias endividadas saltou para 64% em maio, quase 10 pontos acima de maio de 2012.

Conforme o Banco Central, em março (último dado disponível), as dívidas abocanhavam 44% da renda dos brasileiros - o maior patamar para este mês em qualquer ano da série histórica iniciada em 2005.

"É um processo de frustração da sensação de bem-estar. As pessoas se sentiram mais pobres", disse à coluna Carlos Thadeu Freitas Gomes, economista-chefe da CNC e ex-diretor do BC.

A frustração é ainda maior porque veio após um boom de consumo, incentivado e até parcialmente provocado pelo governo federal.

No governo Lula, os incentivos tributários, o crédito farto (puxado pelos bancos públicos) e o real forte permitiram que muitos brasileiros comprassem carro e viajassem para o exterior pela primeira vez.

Graças a essa sensação de bem-estar, Lula elegeu facilmente sua sucessora. A situação da economia ainda não é tão grave, porque as empresas não estão demitindo. Mas aquele otimismo se esvaiu. Será que Dilma vai conseguir lidar com a frustração que vem das ruas?


Endereço da página: