Folha de S. Paulo


O desmatamento, bruto e legal

A apenas cinco meses da cúpula de Paris, onde será negociado o próximo acordo do clima, o Brasil ainda não apresentou uma proposta sólida sobre como e quanto pretende reduzir suas emissões de gases do efeito estufa após 2020.

Em visita aos EUA, bem que a presidente Dilma tentou impressionar, anunciando a meta de recuperar 12 milhões de hectares de floresta e de acabar com o desmatamento ilegal até 2030. O problema é que ninguém sabe dizer ainda quanto de CO2 essas medidas vão evitar que se jogue na atmosfera.

Restaurar uma área florestal com com metade do tamanho do Estado de São Paulo certamente é uma meta ambiciosa, mas é preciso lembrar que também é enorme o passivo ambiental do país. As áreas que precisam ser recuperadas segundo o novo Código Florestal – em propriedades rurais desmatadas em proporção além daquela permitida ou que destruíram matas de proteção permanente, como margens de rios - somam 24 milhões de hectares, o dobro do que a presidente promete recuperar.

DESTRUIÇÃO LÍQUIDA

Ainda que 12 milhões de hectares de floresta replantada não sejam algo a se desprezar, é difícil saber o quanto isso vai se traduzir em redução de emissões. Nas semanas que antecederam a viagem de Dilma aos EUA, o Ministério do Meio Ambiente havia jogado no ar a ideia de que o Brasil iria anunciar um prazo para atingir a meta de "desmatamento líquido zero". Isso significaria subtrair as áreas reflorestadas das áreas desmatadas até chegar a uma soma zero.

Ambientalistas e cientistas rapidamente lembraram, porém, que "desmatamento líquido" não se traduz diretamente em "emissões de CO2 líquidas". Em outras palavras, não adianta desmatar uma área de 10 mil hectares no meio da floresta amazônica, onde a copa das árvores atinge 50 metros de altura, e compensar essa devastação com o replantio de uma área igual na Mata Atlântica, onde a floresta possui muito menos biomassa.

E a Mata Atlântica, da qual restam só 12% de cobertura original, é o bioma onde há maior demanda por reflorestamento, por isso é a maior candidata a projetos de recuperação. Mas mesmo que a área reflorestada ficasse toda na Amazônia, é preciso levar em conta que essas árvores levam várias décadas para atingir o tamanho maduro. Uma árvore plantada demora para compensar o carbono de outra derrubada no mesmo dia.

A ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, por alguma razão, desistiu de incluir menções ao desmate líquido na declaração que seria feita pela presidente Dilma nos EUA. Não dá para saber se o governo desistiu da ideia ou se pretende elaborá-la melhor antes de apresentar a proposta definitiva do Brasil para a cúpula de Paris. O ideal seria que, no mínimo, o país prometa atingir "emissões zero para o desmatamento líquido". Honrar uma meta assim, porém, requer uma montanha de dados e um bocado de pesquisa. Não está claro se o país já conseguiu produzir esse conhecimento.

Reflorestamento, além disso, custa dinheiro. Não está claro de onde sairão esses recursos, mas o anúncio conjunto de Brasil e EUA feito em Washington traz uma sugestão. Os dois países lançarão um programa binacional para investimento no setor fundiário e de florestas, como o objetivo de gerar um fluxo de investimentos. Talvez parte do dinheiro saia daí, o que é uma boa notícia.

DEVASTAÇÃO ILEGAL

Se a ideia de desmatamento líquido foi recebida apenas como um conceito vago e abstrato, a ideia de apresentar o fim do desmatamento ilegal como promessa de ação no contexto do acordo do clima definitivamente não pegou bem.

Em primeiro lugar, garantir o cumprimento da lei deveria ser algo já subentendido no contexto de qualquer tratado, não um ponto negociável. Em segundo lugar, ninguém sabe ainda quanto dos cerca de 5.000 km² que o Brasil perde de floresta amazônica anualmente são "legais". Historicamente, a cota do desmatamento ilegal era muito alta -em torno dos 90%– mas o padrão da devastação mudou depois da queda brusca que as taxas de devastação sofreram ao longo do governo Lula.

O impacto das medidas de combate ao desmatamento se deu muito mais nas propriedades rurais grandes, que hoje estão mais disciplinadas. É de se imaginar, portanto, que a cota do desmatamento legal seja maior hoje, ainda que talvez não atinja os 50%. Com uma porção muito maior de imóveis rurais pequenos na conta da devastação, porém, a fiscalização também fica mais difícil. O Cadastro Ambiental Rural, a ferramenta prometida pelo governo para fazer cumprir o código, está atrasado, e só com ele será possível ter um diagnóstico mais preciso do problema.

Não se pode deixar de lembrar, também, que muito do desmate ilegal foi "eliminado" simplesmente sendo legalizado: a alteração do Código Florestal em 2012 anistiou 26 milhões de hectares de florestas cortadas irregularmente. O impacto desse gesto de impunidade embutido na nova lei ainda está por ser visto. Se o crime compensou para muitos proprietários de terra no passado, sobretudo pecuaristas, será que não vai compensar no futuro?

E, por fim, ainda que conter o desmate ilegal seja imprescindível, não é desprezível agora a quantidade de terras legalmente desmatáveis na Amazônia: 20 milhões de hectares. Se o Brasil não mantiver o carbono de toda essa área no solo, não há meta de corte de emissões que possa ser cumprida.

Com relação aos esforços para mitigar o aquecimento global, o Brasil também precisa, claro, ser mais ambicioso com suas metas para o setor energético e para a agricultura. Mas sem uma noção clara sobre o que fazer com a perda de florestas –ainda nossa principal fonte de emissões– não há como começar a conversa. Saber o que vai acontecer com o desmatamento líquido e o desmatamento ilegal é importante, claro, mas o risco de um aumento na devastação bruta e legalizada -que também entra na conta do clima– não é desprezível.


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