Folha de S. Paulo


Quem tem medo de Ultron?

Ainda não fui assistir a "Os Vingadores: Era de Ultron", mas vou me arriscar a falar um pouco sobre o tema subjacente à obra: os riscos da inteligência artificial.

Desde que o escritor Isaac Asimov publicou "Eu, Robô" em 1950, o tema da dominação humana por autômatos tem sido recorrente em ficção científica. Algumas instâncias do uso dessa ideia produziram personagens notáveis, como o macabro robô HAL9000, do filme "2001, Uma Odisseia no Espaço". Em outras ocasiões, o mesmo discurso acabou obtendo um resultado mais cômico do que assustador, como o episódio em que B-9 -o robô com cara de eletrodoméstico de "Perdidos no Espaço"- perde o controle e começa a repetir sem parar "matar família Robinson", ameaçando os protagonistas do seriado.

Ultron, o robô consciente que se torna inimigo da turma do Capitão América após decidir que a melhor maneira de atingir a paz mundial é aniquilando toda a humanidade, tem de fato um aspecto ameaçador, mas nem por isso é mais realista que o patético B-9.

O supervilão apareceu pela primeira vez em gibis da Marvel em 1968, e sua encarnação no filme de 2015 reaparece num momento em que o receio sobre o que a inteligência artificial nos reserva no futuro preocupa mais cientistas, não apenas artistas gráficos.

No ano passado, o físico-celebridade Stephen Hawking publicou um artigo ecoando esses temores, assinado com o nobel de Física Frank Wilczek, o físico Max Tegmark, do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e o cientista da computação Stuart Russell. No texto, o quarteto fantástico diz temer um futuro no qual haja uma explosão de inteligência, e robôs consigam usar essa inteligência para aprimorar a si próprios, criando uma espécie de reação em cadeia que levaria ao surgimento de autômatos conscientes com inteligência sobre-humana.

Hawking e colegas usavam o manifesto para pedir um investimento maior em pesquisas que ajudem a ciência a antecipar as consequências da evolução da inteligência artificial.

Curiosamente, um desses estudos acabou de iniciar e tem uma duração prevista de modestos cem anos. Batizado de AI100, o projeto é liderado por Eric Horvitz, diretor de pesquisas da Microsoft e professor da Universidade Stanford.

Curiosamente, o pesquisador veterano em pesquisas de inteligência artificial -que até investiu parte de sua fortuna pessoal no monitoramento dos riscos dessa tecnologia- não está preocupado agora com coisas como o surgimento de uma inteligência super-humana.

Conversei com Horvitz em fevereiro durante o encontro da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), na Califórnia, e percebi que algumas preocupações imediatas com a inteligência artificial tomam mais seu tempo do que coisas parecidas com Ultron.

A substituição de humanos por máquinas capazes de fazer trabalho intelectual já começou, diz Horvitz, e pode ter na sociedade um impacto ainda maior do que a mecanização implementada durante o período da Revolução Industrial, que tirou muito emprego de trabalhadores com funções repetitivas ou braçais.

"Imagine telefonar para uma empresa e ser atendido por uma voz que precisa alertá-lo de que você não está conversando com uma pessoa real, porque de outra forma você não teria como saber", diz o cientista. "Nós não estamos preparados para lidar com esse tipo de situação."

Uma inteligência artificial não tão avançada, claro, já reside nos odiados sistemas telefônicos de atendimento automático por telefone. Mas já há sistemas que atuam em coisas tão sofisticadas quanto acompanhamento médico, pilotagem de carros e até redação de notícias.

Horvitz e sua mulher, Mary, então, estão bancando um comitê de notáveis selecionados pela Universidade Stanford para produzir relatórios quinquenais analisando benefícios, problemas e mudanças trazidos pelas máquinas inteligentes.

O estudo começa em uma época na qual a inteligência artificial movimentou uma montanha de dinheiro de investimento em empresas startup. Em 2014, foram US$ 380 milhões só nos EUA, segundo levantamento do jornal "Financial Times". É um sinal de que aplicações comerciais rentáveis devem vir por aí. Pouca gente imagina o quanto de inteligência artificial já se aplica em marketing hoje, diz Horvitz, e ninguém parou para debater regras éticas sobre isso.

Eu, leigo, sempre achei que aquela haste que Ultron tem junto ao rosto parecia ser um daqueles headsets de telefone usados por profissionais de telemarketing. Agora já imagino ligar para um centro de atendimento e ser recebido pela voz do vilão-robô da Marvel dizendo: "Olá, sua ligação é muito importante para nós."


Endereço da página: