Folha de S. Paulo


Uma quinta força da natureza

A física conhece hoje muitos tipos de partículas, mas poucos tipos de forças pelas quais elas interagem. São estas a gravidade, o eletromagnetismo e as forças nucleares (diferenciadas em forte e fraca). Para tudo o que os cientistas já conseguiram explicar no Universo –dos átomos que compõem nossos corpos, o brilho do Sol e a formação de galáxias– essas quatro únicas forças são os únicos tipos de interação envolvidos. O que poderia acontecer com a física, então, se cientistas encontrassem evidências de uma quinta força?

Um grupo de astrônomos acaba de encontrar sinais da existência de um novo tipo de interação fundamental. A descoberta saiu de um estudo sobre a misteriosa matéria escura, uma entidade que representa 85% de toda a massa existente no Cosmo.

Cientistas só sabem que a matéria escura existe porque ela interage por meio da gravidade e afeta a dinâmica de objetos visíveis, como as galáxias. Essa estranha entidade –que na verdade é transparente, e não escura, como diz o nome– também às vezes causa distorções na luz de imagens captadas por telescópios. Por ser muito abundante e gerar campos gravitacionais extremamente fortes, a matéria escura faz a luz correr em trajetória encurvada.

Foi exatamente num estudo desse tipo de fenômeno que astrônomos liderados por Richard Massey, da Universidade de Durham, na Inglaterra, descobriu a evidência da quinta força.

HALOS DESLOCADOS

Toda galáxia possui um halo de matéria escura que tem um comportamento tipo "fantasma", atravessando a matéria ordinária sem colidir nela. Coisas bizarras, então, acontecem quando duas galáxias interagem. É o caso do famoso Bullet Cluster, um aglomerado de galáxias em forma de bala de revólver, que sofreu um encontrão com outro aglomerado. Sua matéria comum entrou em colisão, mas a matéria escura passou batido pelo local do choque, por inércia, e foi parar longe de qualquer estrela.

O que Massey fez em seu estudo agora foi analisar imagens de um fenômeno parecido, observando o aglomerado de galáxias Abell 3827, composto de quatro galáxias que sofreram colisões recentes e se posicionam perto umas das outras. Usando imagens do Telescópio Espacial Hubble e do VLT (Very Large Telescope), o maior observatório do mundo, ele conseguiu analisar a distorção gravitacional de luz de causada pela matéria escura dentro do aglomerado. Uma das quatro galáxias no Abell 3827 perdeu seu halo de matéria escura ao passar perto de outra e hoje está a mais de 5.000 anos-luz de distância dele.

Essa disparidade não pode ser explicada só pela força gravitacional, diz o grupo de Massey. Os dois amontoados de matéria escura parecem estar se atraindo por alguma outra força que não só a gravidade, explicam os cientistas em um artigo na revista "Monthly Notices of the Royal Astronomical Society". O eletromagnetismo e as forças nucleares, que não influenciam fenômenos a grandes distâncias, também estão fora de cogitação.

Resta aos cientistas sugerir que a matéria escura, o que quer que ela seja, interage por meio de uma nova força, igualmente desconhecida.

Os autores do estudo apresentam seus resultados com um bocado de cautela, reconhecendo que interações gravitacionais não computadas podem ter atrapalhado suas conclusões. Outros estudos sobre esse fenômeno –e, de preferência, a descoberta de outros fenômenos semelhantes– serão necessários para dizer se de fato a quinta força existe.

QUEBRA-CABEÇA

Se for esse o caso, isso significa um bocado mais de trabalho para os teóricos. As ideias mais simples para tentar explicar o que é a matéria escura apostam que ela seria um único tipo de partícula, incapaz de interagir com qualquer outra coisa. Caso a existência da quinta força venha a se confirmar, talvez seja preciso postular a existência de mais um tipo de partícula –um bóson– responsável por comunicar essa força. (Por exemplo: o fóton, a partícula de luz, é o bóson que comunica o eletromagnetismo.)

Não está descartado também, caso essa ideia ganhe confirmação, que a matéria escura seja composta por toda uma nova família de partículas –e de novas forças–, numa organização similar à dos elétrons, fótons, prótons e nêutrons que compõem os átomos de matéria ordinária.

Isso não seria estranho, porém, à maneira com que a ciência normalmente progride. Algumas descobertas servem mais para abalar hipóteses em voga do que para jogar luz sobre o conhecimento vigente. É como se a última peça de um quebra-cabeça estivesse fragmentada em várias outras peças menores, que também precisam ser reorganizadas.


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