Folha de S. Paulo


Política, intriga e os supertelescópios

Na última quinta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou a afiliação brasileira ao ESO (Observatório Europeu do Sul), que está construindo o maior telescópio do mundo no Chile. A entrada no clube, que sai por € 270 milhões (quase R$ 1 bilhão), dá a astrônomos do país acesso às melhores instalações de pesquisa astronômica do planeta. Mas o custo-benefício divide opiniões.

Alguns congressistas se mostraram indignados por os colegas terem aprovado um gasto grande num ano de ajuste fiscal. Outros, em coro com os cientistas, comemoravam a chance de o Brasil se tornar integrante de uma instituição científica de primeiro mundo.

Boa ou ruim, a filiação ao ESO ainda não está garantida. Agora o projeto tem de passar pelo Senado e, se ganhar o sinal verde do Legislativo, volta ao Executivo, que foi quem pariu a ideia. Ainda que se conclua que o Brasil não tem como arcar com o preço dessa aventura –mesmo dividido em parcelas alongadas–, abandonar o barco terá um custo diplomático, pois o Planalto já tem acordo assinado com a organização europeia.

A construção do E-ELT (European Extremely Large Telescope), o telescópio monstruoso de 39 metros de diâmetro, já começou no deserto do Atacama, e o Brasil não pingou um tostão na conta do ESO, apesar de estar usando suas instalações já existentes. E o estranho, agora, é que apesar de o governo federal ter parido essa ideia, é a própria presidência que parece desinteressada em fazê-la vingar. Mas por quê?

QUANDO ÉRAMOS GIGANTES

Para entender as idas e vindas sobre a negociação do Brasil com o ESO, é preciso voltar ao distante ano de 2010. Naquela época, a economia do país crescia a 7,5% anuais, o presidente tinha popularidade de 80% e nosso ministro da Ciência era um cientista com profundo conhecimento de física básica.

Num contexto de otimismo econômico e estabilidade política, era mais fácil para o Brasil captar dinheiro. Quando o lucro da Petrobras era da ordem de R$ 35 bilhões ao ano, gastar R$ 1 bilhão para entrar no maior observatório do mundo não parecia uma extravagância.

Mas os ventos da economia mudaram. E mudou o governo. E mudou o ministro, que por sua vez mudou de novo, de novo e de novo. O PSB, que controlava o MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) na era Lula, virou oposição a Dilma. E o ministério ainda ganhou um "i" de inovação, virando MCTI. Cientistas reclamam que a pasta acabou assumindo essa nova incumbência em detrimento do C de ciência básica.

E, surpresa, quando chegou a hora de a filiação ao ESO ser votada na câmara, quem tentou tirar o telescópio da pauta foi o próprio PT.

ENTRAM OS AMERICANOS

Mas não foram só os deputados e ministros que atrapalharam o acordo dos astrônomos brasileiros com os europeus. Antes mesmo de se encontrar perdida no labirinto da política brasileira, a proposta de afiliação ao ESO foi atacada por um grupo minoritário de astrônomos.

Em 2013, virou fato público que esses cientistas do contra na verdade estavam articulando um acordo concorrente: a entrada no consórcio para construir o GMT (Giant Magellan Telescope), um telescópio gigante de 25 metros, liderado por instituições dos EUA. Esse acordo, negociado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), sairia por 15% preço da entrada no ESO, mas também dava um retorno mais modesto. Não oferecia um observatório pronto para ser usado e previa uma cota limite (4% do tempo) de uso do novo telescópio. O ESO por outro lado, já põe ao alcance do Brasil seu poderoso VLT (Very Large Telescope), o observatório de radiotelescópios ALMA e não estabelece limite para o tempo que cada país usa os instrumentos –a decisão é por mérito científico de cada projeto.

Apesar de 80% da Sociedade Astronômica Brasileira apoiar a associação com os europeus, o grupo divergente acabou servindo de pretexto para o MCTI adiar o envio dos papéis ao Congresso e deixar de lado seu papel de articulador. No ano passado, além disso, a Fapesp iniciou conversações com o ministério para tentar dividir o custo de US$ 40 milhões entre o governo de São Paulo e a União. Em outras palavras, o grupo ligado à Fapesp queria não apenas entrar num projeto concorrente, mas cobiçava a mesma fonte de verbas.

O argumento era forte. Além de ser 85% mais barato, o acordo com o GMT teria uma vantagem política: como o auxílio federal à Fapesp poderia ser bancado diretamente do orçamento do MCTI, não seria preciso submetê-lo ao Congresso. Em princípio o Brasil poderia fechar negócio tanto com os americanos quanto com os europeus, mas se agora o governo federal está reticente em aceitar que o país precisa de um supertelescópio, imagine argumentar em favor de dois.

RENEGOCIAÇÃO

A afiliação ao ESO tem um problema pendente: ainda não está claro de onde sairiam os € 270 milhões destinados ao projeto. E o dinheiro, que cobriria um quarto dos custos do monumental E-ELT, não começou a ser depositado.

A ideia era que as parcelas de pagamento fossem divididas em dez anos, mas não em partes iguais. As primeiras seriam mais baratas, e então o valor cresceria progressivamente. Mas o Brasil já deu o calote nos quatro primeiros anos de comprometimento, e, se o ESO pressionar pelas parcelas atrasadas agora, o governo brasileiro perderia a vantagem de um financiamento mais suave como estava previsto originalmente.

Não interessa ao ESO, porém, fechar as portas ao Brasil neste momento, e já há uma negociação de desconto em cima dos valores originais. Todo avanço tem sido fruto, principalmente, da dedicação dos cientistas que brigam pelo acordo.

Caro ou barato, o que está em negociação no imbróglio envolvendo o E-ELT e o GMT é o futuro da astronomia. Esses telescópios serão essenciais para abordar os grandes enigmas do universo –como a matéria escura, a energia escura e a existência de vida fora da Terra. Se o Brasil não tiver uma posição confortável dentro dos consórcios que vão operar essas máquinas, perderá a chance de protagonismo no próximo capítulo da história da astronomia.

Fazer parte dessa história, claro, é algo que tem seu preço. Países que já fazem parte dela são aqueles que tratam o desenvolvimento científico e a ciência básica como questões de estado, não aqueles que jogam todos os seus planos para o alto a cada crise econômica que se apresenta.


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