Folha de S. Paulo


O ano em que o CO2 estagnou

Num ano em que dezenas de países se digladiam para fechar um acordo de combate ao aquecimento global e economistas fazem a conta de quanto a aposentadoria dos combustíveis fósseis custará à economia mundial, um estranho fato silenciou momentaneamente as discussões. A emissão de CO2 no setor energético deixou de crescer de um ano para outro.

A Agência Internacional de Energia anunciou na última sexta-feira que o ano de 2014 foi o primeiro em quatro décadas no qual a produção do principal gás de efeito estufa deixou de aumentar sem que houvesse uma crise econômica por trás. Ao contrário, o PIB global cresceu 3,3%.

Para usar o termo da moda, o que aconteceu foi um "desacoplamento" do crescimento econômico da emissão de combustíveis fósseis. Como a produção de energia está fortemente relacionada à produção de riqueza, era de se esperar que uma fosse um indicador confiável para a tendência da outra. Mas desta vez não foi assim.

Cientistas já esperavam um desacoplamento pequeno, sobretudo em razão de políticas de uso eficiente de energia que vêm se disseminando pelo planeta, mas acabaram surpreendidos. O Global Carbon Project, programa internacional que monitora tendências no setor, acreditava que o aumento das emissões seria de 2,3% –menor que o do PIB, mas ainda dentro de uma trajetória preocupante. Cientistas estão agora tentando entender por que as projeções falharam em antever o 0%.

Uma razão para isso talvez seja que a curva de aumento nas emissões estava mais inclinada que de costume. Em 2013, um ano em que o PIB global cresceu 2,9%, as emissões de carbono cresceram 2,3 –um desacoplamento pequeno. E, três anos antes, em 2010, o mundo havia testemunhado um aumento de 5,9% na emissão de CO2, maior até do que o crescimento do PIB (5,3%).

A economia global de 2014, portanto, poderia ainda estar se beneficiando de coisas produzidas em anos imediatamente anteriores. O CO2 não costuma seguir o PIB com tanta precisão em uma escala anual.

Outro fator é que o preço do petróleo ficou em níveis baixos em 2014. Paradoxalmente, isso ajuda a reduzir emissões, porque alguns países desligam termelétricas a carvão -um combustível muito mais sujo– para aproveitar o óleo barato.

E vale lembrar que estagnar o aumento das emissões de carbono não vai salvar o mundo do chamado aquecimento "perigoso", o acréscimo de 2°C na média da temperatura do planeta. É preciso reduzir as emissões de gases-estufa, de preferência zerando o CO2 até 2060. Estamos agora emitindo 32,3 bilhões de toneladas de CO2 ao ano.

Para a Agência Internacional de Energia, entretanto, há motivo para otimismo. Fatih Birol, economista-chefe da entidade, afirma que o desacoplamento se deve em parte à expansão dos programas de energia renovável na China (olha aí, Brasil) e a programas de incentivo a uso eficiente de energia em países ricos.

Esse cenário ficará mais claro em junho, quando a agência divulgar uma versão detalhada do relatório. O material liberado na sexta-feira não foi muito além de um comunicado de imprensa.

Uma mensagem de esperança a ser tirada dos dados de 2014, porém, já parece clara. Se o planeta consegue frear o aumento de emissões quase sem querer e não mergulhar a economia global em uma crise apocalíptica, talvez a resistência de alguns países a assumir compromissos mais ousados no acordo global do clima (olha aí, Brasil) possa ser rompida na cúpula de Paris, em dezembro.


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