Folha de S. Paulo


Sem oferecer educação e saúde, governos não devem gastar com estádios

Construir estádios dá margem para corruptos meterem a mão na grana, como se sabia antes das obras da Copa do Mundo e da Olimpíada. Mas arenas não são a única forma de ladroagem, neste país em que Joaquim Osório Duque Estrada e Francisco Manuel da Silva poderiam ser substituídos por Ary do Cavaco na autoria do Hino Nacional. Se você não sabe, Ary Alves de Souza é o autor de "Gente Bacana", do refrão "Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão".

Não é para tomar dinheiro público que o Flamengo anuncia a opção de compra de um terreno na zona norte do Rio, onde pretende erguer sua casa. É por causa da paralisia do governo fluminense, incapaz de anunciar uma nova licitação para o Maracanã ou de simplesmente cobrar da dona atual da concessão que cuide, e pare de fingir que cuida, do ex-maior estádio do mundo.

Ladrões são ladrões, roubem em reais ou em francos suíços, tirem do povo na merenda, no metrô, em obras olímpicas, sedes administrativas para governos de Estado, sítios ou apartamentos.

O único remédio para a corrupção é a prisão.

Ela não é exclusividade brasileira, como se percebe no escândalo de Carlos Arthur Nuzman, envolvido em duas redes gigantescas de propina. A brasileira, com o governo Sérgio Cabral, e a do Comitê Olímpico Internacional.

No futebol, só pilantras sul-americanos foram detidos e acusados por autoridades norte-americanas por uma questão geográfica. Platini e os dirigentes da África não pegam aviões para Miami. Já os dirigentes brasileiros...

Em 1980, o Brasil tinha 22 Estados, quatro territórios e o Distrito Federal. Hoje, parece haver 26 Estados, o Distrito Federal e a Flórida.

Corrupção há no esporte do mundo todo, como confirma a prisão do presidente do Munique 1860, Karl Heinz Wildmoser, acusado de desviar dinheiro da obra do Allianz Arena, em 2004. Se na Copa da Alemanha houve picaretagem, imagine quando se ergueu o maior estádio do mundo, no Rio de 1950.

No Brasil, aceitou-se por décadas construir arenas com dinheiro público. Lógica fascista adotada no Estado Novo, na sequência dele e na ditadura militar. Também na Itália de Mussolini. Milan e Internazionale seguem jogando em San Siro, municipal.

Assim foi com o Pacaembu, o Maracanã, o Mineirão, o Castelão, a Fonte Nova...

Antes de Getúlio Vargas, o Fluminense construiu as Laranjeiras, o Palmeiras comprou o Parque Antarctica, o Santos fez a Vila Belmiro e o Vasco ergueu São Januário.

Hoje, na Itália, a Juventus mostra que ter um estádio próprio é bom. "Dá identidade ao clube, orgulho à torcida e dinheiro", diz o presidente do Palmeiras, Maurício Galiotte. Nem Palmeiras nem Corinthians exploram tudo o que podem em suas novas casas. Mas é por conhecer o potencial que o Flamengo também quer uma arena.

O que fazer, então, com o próprio da municipalidade?

Com o Maracanã? E o Pacaembu? Ambos precisam servir ao esporte, como foram concebidos.

Num país que não oferece educação e saúde, o Estado não deve gastar na manutenção. Tem obrigação de cuidar rigorosamente da escolha e da vigilância de quem vai administrar. Coisa que o governo do Rio nunca fez com o Maracanã.


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