Folha de S. Paulo


O maior adversário do técnico Rogério Ceni é o mito Rogério Ceni

As cinco derrotas em nove rodadas do Brasileirão, pior desempenho desde 1998, não são a única razão de a diretoria do São Paulo cogitar a mudança de comando técnico. E cogita.

Acima dos resultados está a observação sobre a relação de Rogério Ceni com o grupo de jogadores. Avaliar se ele ainda consegue tirar do elenco o máximo possível.

Está claro que o São Paulo não será campeão brasileiro em 2017. Mas se a percepção de avanço levar à convicção de que se chegará a 2018 num estágio mais alto, tudo continua.

Ninguém julgava que seria fácil o início de carreira de Rogério Ceni num time tão grande, de ambição gigante e carência de troféus há seis anos.

A paciência se justificará sempre, se houver a percepção de evolução. Só que não está melhorando.

Rogério Ceni tem um inimigo muito próximo: Rogério Ceni. O maior adversário do técnico é o mito.

É tão difícil parar para quem foi ídolo que a tentação é continuar. Em parte foi por este motivo a decisão de Rogério tornar-se técnico. Se estivesse em casa, exercendo outra atividade sem o mesmo glamour, Rogério Ceni continuaria sendo Rogério Ceni. Na padaria, no açougue, no restaurante... para sempre seria o jogador mais importante da história do São Paulo.

O mito nunca vai morrer.

Mas deve ficar numa estante, junto com os troféus, a partir do momento em que se inicia a nova carreira. Neste caso, há o Rogério Ceni mito e o Rogério treinador.

Um sinal de que isto não está totalmente separado apareceu na entrevista em que comentou a declaração de Lucão sobre sua saída iminente. "Eu sou de uma época em que, para mim, era sempre muito especial, muito importante, jogar pelo São Paulo."

É inevitável incluir-se, mas essencial manter seu exemplo distante, para não cobrar de jogadores comuns a experiência que eles não têm: nunca foram mitos.

Nem sequer ídolos.

No caso de Rogério, todo mundo conhece sua glória. Não é preciso relembrar, exceto nas entrevistas que dará aos montes, até o final da vida, sobre sua trajetória.

Em seis meses como treinador, Rogério mostra atualização, variedade tática, conhecimento teórico. Falou sobre o sistema 3-4-2-1 depois da derrota para o Atlético-PR com perfeição.

Tem feito o São Paulo jogar parecido com o Chelsea e como a Alemanha na Copa das Confederações, mas com uma mistura que privilegia a ofensividade e a posse de bola. O Chelsea foi o sexto colocado em controle do jogo na Premier League. O São Paulo é o primeiro em posse de bola no Brasileirão.

Seu time quer jogar e isso é bom.

Mas abre espaços, como no contra-ataque que resultou no escanteio do gol do Atlético-PR.

"Rogério nunca foi uma pessoa fácil e como técnico está mais difícil", é a definição de uma pessoa da diretoria. Rogério não precisa correr o risco de ficar parecido com Adílson Batista, de treinos ótimos, mas que sempre se comparou com seu elenco.

Os maiores mestres, como Zagallo, Telê Santana, Johan Cruyff e Josep Guardiola, sempre preferiram seus tempos de jogador. Sonhavam à noite que estavam jogando. Tiveram o desapego para alcançarem sucesso numa nova profissão.


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