Folha de S. Paulo


A derrota da paz

A Polícia Militar foi o maior entrave para Santos e São Paulo cumprirem o que anunciaram há 20 dias: o clássico da paz, com torcida mista e dividida. Na opinião da PM, é impossível fazer. Esquecem-se até mesmo de que os clubes pagam o serviço policial —e caro.

Mas a determinação do ex-secretário da Justiça e atual ministro interino, Alexandre de Moraes, é fazer clássicos com torcida única até o fim do ano. Se depender da vontade da PM, será para sempre.

Sou contra a torcida única e a favor de retirar a Polícia Militar de dentro dos estádios a médio prazo, com gradativa entrada de seguranças privados contratados pelos clubes. Se a PM é bem paga e entra nas arenas mais modernas para dizer que "não pode vender ingresso aqui, não pode entrar visitante ali, não pode lotar a capacidade de público que o Corpo de Bombeiros liberou", então melhor os clubes investirem o dinheiro com seguranças particulares. Terem coragem de garantir o que a PM não garante.

Mas a discussão da torcida única é mais ampla. Se Santos e São Paulo se enfrentassem no Pacaembu com 90% de santistas e 10% de são-paulinos, como acontece nos clássicos com mando de campo desde 2009, a minoria visitante seria só de uniformizados.

É diferente de quando havia Morumbi dividido ao meio, com bandeiras dos dois lados. "Hoje temos compromissos comerciais que dificultam dividir o anel da arquibancada pela metade", admite o presidente do São Paulo, Carlos Eduardo de Barros e Silva.

O anel superior do Morumbi tem o setor Visa de um lado, os sócios-torcedores de outro, os uniformizados atrás de um dos gols. Sobra 25% de espaço para compartilhar. Foi esta razão comercial que motivou os clássicos com 10% de visitantes desde 2009. Não foi a violência.

Não pense que os clássicos de torcida única até agora não tiveram rivais infiltrados. Houve palmeirenses silenciosos no setor azul do Morumbi, lado a lado com são-paulinos. Também houve corintianos na arquibancada sul do Allianz Parque, no clássico Palmeiras x Corinthians.

Neste caso, o torcedor visitante precisa ser discreto.

Santos e São Paulo queriam mais. Sonhavam com o que Grêmio e Internacional, Flamengo e Fluminense, conseguiram. Nos Grenais, há sempre um setor para gremistas e colorados conviverem em paz. No Maracanã, há três anos também há. Os uniformizados ficam atrás dos gols e a área central é dedicada à mistura dos povos, exatamente como acontecia no início da história do estádio, na década de 1950.

Fazer isso exige coragem. "Precisamos continuar tentando", diz o diretor de futebol santista, Dagoberto dos Santos.

No San-São deste domingo à tarde, quem se acovardou foi o Estado. Nos últimos 30 anos, o futebol permitiu ser apontado como vilão. "Não vá ao estádio" ainda é o discurso repetido.

É como se alguém disser que você não deve sair às ruas sob o risco de ser assaltado. O Estado e a polícia têm obrigação de oferecer segurança, retribuição aos impostos bem pagos. Os clubes esboçam dividir o estádio e escancarar de onde vem a intolerância. As polícias do Rio e do Rio Grande do Sul esforçam-se —a paulista sucumbe.

A firmeza para prender bandidos e dar liberdade ao torcedor comum cabe agora ao Estado.


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