A primeira etapa do trabalho de Tite será conversar com os jogadores que planeja ter como referências. Apresentar-se e também a sua carta de intenções. O primeiro passo é recuperar o ambiente e o gosto de estar na seleção, perdido nos últimos dois anos de era Dunga.
A crise do futebol brasileiro é estrutural.
A da seleção não é.
Durante décadas de corrupção, a seleção salvou-se. Mesmo nos últimos 20 anos, com jogos aos montes fora do Brasil, os jogadores tiveram imenso prazer em se vestirem de amarelo.
A relação entre o elenco e a seleção só se quebrou no último ano. O grupo não confiava em Dunga do ponto de vista tático e via o ambiente minado a cada jogador fritado. Primeiro Thiago Silva, depois Jéfferson, em seguida Marcelo, Oscar e David Luiz.
Recuperar o ambiente será simples para quem olha nos olhos, como Tite. Mais difícil é recriar a simbiose com a torcida.
"O Tite é sério e vai dar mais gosto ver a seleção agora", disse o garçom de uma padaria em São Paulo no dia seguinte à confirmação do técnico.
Feliz a imagem capturada pelo repórter fotográfico Eduardo Anizelli e publicada na primeira página da Folha na última quinta-feira (16). Tite ao lado de uma placa de publicidade com a inscrição "Vem Junto" ilustra a maior importância de tê-lo no comando neste momento.
Em meio ao mar de lama da CBF e do país, Tite representa o homem que estudou e chegou onde sonhou.
O oposto de Dunga, contratado pela fama de líder e não pelo conhecimento, Tite é o brasileiro mais preparado para assumir o cargo. Chega com três anos de atraso.
Ele não vai mudar tudo, é claro. Sua imagem pode ajudar a desvincular a seleção do que acontece na sede da Barra da Tijuca. A seleção não é da CBF. É do Brasil.
Por mais que o fiasco do 7 x 1 dificulte perceber isso, a população soube separar isso nas campanhas da Copa das Confederações e da Copa do Mundo. Cobrava-se o governo, os 20 centavos e os estádios faraônicos nas manifestações de junho de 2013. Também se cantava o hino nacional em voz alta.
A seleção nunca teve nem jamais terá tanta capacidade de mobilização quanto seu clube, exceto em época de Copa do Mundo. Antes de ir para a Suécia em 1958, o Brasil jogou no Pacaembu e a torcida gritava Corinthians, o nome do adversário.
Hoje, há todos os sentimentos misturados. Só não há indiferença. A seleção é um pouco Geni. É de todos e não é de ninguém. À primeira pedra atirada, o são-paulino, corintiano, santista ou palmeirense sai em defesa de seu clube. Na seleção em crise, todos atiram pedras. Ninguém fica indiferente.
A recuperação da imagem exige trabalho de marketing. Mas principalmente de campo, onde Tite pode ajudar muito.
A Eurocopa confirma que hoje há uma elite estreita entre as seleções. A Inglaterra venceu Gales no último minuto, a França venceu a Albânia nos acréscimos, Alemanha e Espanha sofreram em seus jogos.
O Brasil não está fora disso. Dá vexames, porque trabalha mal e porque teve quatro times diferentes nas últimas cinco competições oficiais.
Não faltam jogadores para chegar à Rússia com o sonho de vencer. Agora também não falta o técnico.