Folha de S. Paulo


Tráfico de craques

A frase é de Andoni Zubizarreta, ex-goleiro e ex-dirigente do Barcelona: "Nos dias de hoje, Messi e Iniesta não teriam se tornado jogadores do Barça!" Zubizarreta refere-se à rigidez da Fifa nos casos de punições ao Barcelona, Real Madrid e Atlético de Madrid, proibidos de contratar por burlar a legislação internacional de transferências de menores.

Zubi fala sobre Messi ter saído de Rosário, na Argentina, aos 13 anos. E de Iniesta ter deixado sua terra natal, Fuentealbilla, para viver no Barça quando tinha 12 anos. O ex-goleiro atirou no que viu e acertou no que não viu.

Não foi por abrigar jovens desde a pré-adolescência que a Fifa puniu os três clubes. Foi por fraudar a norma internacional de registros. O Barcelona inscrevia meninos na federação da Catalunha, enquanto não tinham idade para admissão na Federação Espanhola. Foi o caso do atacante coreano Lee.

Os filhos de Zidane também. É a razão de a Fifa ter punido o Real Madrid apesar de o pai estar junto dos filhos todo o tempo.

Em vários lugares do mundo, a inscrição só pode acontecer a partir dos 12 anos. No Brasil, a permissão é apenas depois dos 14. Os clubes brasileiros reclamam por perderem estes dois anos de formação.

No final de 2014, o agente português Jorge Mendes tirou o menino João Neto do Corinthians, por indicação dos empresários Deco, Luizão e Rubens Júnior. O garoto tinha 11 anos e está no Benfica. A alegação oficial é de que a família se mudou para Lisboa.

Nessa idade, a coisa mais importante é o bem estar do jovem jogador. Estar perto da família, em tese, é o correto e é a exigência do Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas há histórias com final feliz –e infeliz– de todos os tipos.

O meia Diego, campeão brasileiro com Robinho em 2002, mudou-se para Santos sem a família aos 11 anos. Ele já contou que passava alguns finais de semana em sua casa, em Ribeirão Preto. Chorava muito quando seu pai o deixava de volta na Vila Belmiro, domingo à noite. "Você não quer ser jogador? Então fica aí", respondia o pai.

Tinha tudo para dar errado. Deu certo.

Quem levou Pelé ao Santos não foi dona Celeste nem seu Dondinho. Foi Waldemar de Brito. Pelé tinha 15 anos. Aos 13, Neymar saiu de Santos e viajou para um período de testes no Real Madrid. Conviveu com Ronaldo, Robinho, Zidane, Roberto Carlos...

Naquela época, o Santos notificou a Fifa. O Real Madrid respondeu que se tratava apenas de uma visita de cortesia.

A ponderação dos clubes é de que a permissão para federar um jogador aos 12 anos, em vez dos 14, dará dois anos a mais de formação técnica e um pouco mais de proteção contra a pirataria dos empresários.

Os garotos não podem ser inscritos aos 12 anos, porque não podem trabalhar nessa idade. No circo e na ginástica artística podem.

O argumento dos clubes é bom se a fiscalização também for. Sempre é necessário verificar a condição de vida que um garoto tem no seu clube. Se tem educação formal, alimentação balanceada, acompanhamento psicológico...

Ninguém sabe se João Neto tem tudo isso no Benfica, nem se vai virar jogador lá. Sabe-se apenas que, se vingar, terá mais chance de jogar pela seleção portuguesa do que pela brasileira, mesmo sendo corintiano desde o útero da mãe.


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