Folha de S. Paulo


Feitiço do tempo

O Brasil perdeu da Colômbia por 1 a 0 e, no jogo seguinte, os jogadores decidiram não conversar com a imprensa. Não estamos falando da partida de hoje, contra a Venezuela, mas de 30 anos atrás. A primeira derrota da história para os colombianos foi tratada como vexame, em 1985, e o cardápio das críticas era semelhante ao atual.

Sempre é.

Dizia-se que aquela seleção não tinha carisma nem futuro sem a volta dos "estrangeiros" Zico, Falcão, Sócrates e Cerezo. O time criticado e derrotado pela Colômbia tinha Carlos, Édson, Oscar, Mozer e Branco; Jandir, Geovani e Casagrande; Jorginho, Careca e Mário Sérgio.

Bebeto entrou no segundo tempo no lugar de Jorginho. Na escola, no dia seguinte, os colegas diziam que Bebeto não podia jogar na seleção brasileira.

Juro por Deus!

O Brasil perdeu do Chile, o técnico Evaristo de Macedo foi substituído por Telê Santana, os estrangeiros voltaram e o Brasil se classificou para a Copa empatando com o Paraguai no Maracanã e com a Bolívia no Morumbi –venceu as duas fora de casa.

É óbvio que a situação atual não é igual, porque há um ingrediente inédito em todas as crises da seleção brasileira: o 7 a 1. Mas o 'script' é sempre parecido quando o Brasil muda de time.

Com um ano de distância, a seleção teve só três jogadores iguais na derrota de quarta-feira para a Colômbia. Esse eterno recomeçar cria a ideia da seleção de desconhecidos e sem carisma.

A comparação com gerações do passado sempre aparece. No saguão do hotel onde a seleção está hospedada em Santiago, um jornalista comparou a geração atual com a de 2002: "Tinha Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho, Cafu, Roberto Carlos, Kaká começando..." Pura verdade. Um ano antes, a seleção perdeu de Honduras com Luisão, Cris, Belletti, Eduardo Costa e Guilherme, como centroavante.

No dia seguinte à eliminação da Copa América de 2001, com derrotas para México e para Honduras e vitórias pálidas contra Peru e Paraguai, o futebol brasileiro parecia ter acabado.

Onze meses depois, o Brasil foi campeão mundial.

É óbvia a necessidade de discutir o que se passa no futebol brasileiro. Um dos ingredientes mais úteis para esse debate é o que mais falta nas crises: calma.

Hoje a seleção joga contra a Venezuela com um único sobrevivente do 7 a 1. Só Fernandinho –Thiago Silva e Neymar não jogaram a tragédia. Se dez titulares mudaram em 11 meses, é claro que o time não está pronto.

A seleção reinicia o trabalho pela quarta vez em dez anos. Também por causa disso, é indiscutível que a Colômbia é melhor do que o Brasil em termos coletivos. Só vai ser diferente com a construção de um time. Aí é capaz de se descobrir que Neymar tem bons parceiros, como meus colegas do colégio perceberam que Bebeto podia jogar pela seleção brasileira.


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