Folha de S. Paulo


Por que imprimir dinheiro no exterior?

Fernando Frazão - 24.jul.2012/Folhapress
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Funcionário na Casa da Moeda com notas de R$ 20

O governo brasileiro recentemente anunciou a intenção de privatizar diversas empresas estatais, dentre elas a Casa da Moeda. Não surpreendentemente, isso gerou enorme controvérsia. Estaríamos, com essa medida, sacrificando a estabilidade monetária do país?

A resposta é não. A Casa da Moeda simplesmente confecciona o dinheiro (e outras coisas, como selos, passaportes e até medalhas), mas não define quanto desse dinheiro entra em circulação. Essa atribuição é do Banco Central.

É como se você fosse a uma gráfica e pedisse que preparassem 100 cartões de visitas. Eles produzem os cartões, mas não os distribuem. Quem decide para quem dar os cartões é você. Na analogia, a gráfica é a Casa da Moeda, e o Banco Central é você.

Assim, com a privatização da Casa da Moeda, o governo não perderia o controle sobre a quantidade de moeda em circulação. Tampouco deixaria de contar com a receita associada à introdução de moeda da economia (a tal da senhoriagem, que é a diferença entre o poder de compra de cada nota e o custo de imprimi-la). É exatamente o contrário: a privatização pode ajudar a reduzir os custos na impressão da moeda, fazendo com que o governo aumente a receita da senhoriagem que obtém.

POR QUÊ?

A privatização tem o potencial de reduzir ineficiências. Atualmente, sendo estatal, a empresa encontra-se mais ao alcance de políticos, cujo interesse não necessariamente é obter ganhos de eficiência e entregar um produto mais barato.

Duas notícias recentes dão ideia dessas ineficiências. Uma delas nos diz de que a empresa possui uma equipe com 22 médicos (e outros profissionais da área), que custa R$ 8 milhões por ano, para servir cerca de 2.700 funcionários. Não deve ser difícil identificar cidades brasileiras com população maior que não contam com uma equipe médica dessa extensão.

A outra notícia informa que, este ano, o governo brasileiro fez uma encomenda de notas de R$ 2 junto à companhia sueca Crane AB. A decisão se deu justamente por atrasos na entrega da Casa da Moeda. As notas foram 17% mais baratas do que se o dinheiro tivesse sido feito pela estatal.

Você pode estar se perguntando: a empresa privatizada não se tornaria um monopólio, podendo cobrar preços muito altos pelo dinheiro impresso para o governo brasileiro? Ou até entregar um produto de péssima qualidade, o que tornaria a falsificação do dinheiro mais fácil?

Não necessariamente. A menos que haja alguma lei obrigando a produção do dinheiro por uma empresa doméstica, o governo conta na verdade com um mercado internacional relativamente competitivo nesse ramo de impressão de dinheiro. Há pelo menos uma meia dúzia de empresas estrangeiras, com bastante tradição nesse mercado, que produzem dinheiro para diversos países —a maior empresa privada nesse ramo, a britânica De La Rue, existe desde 1821 e está hoje envolvida no processo de desenho e produção de moeda de mais de 140 países, já tendo sido inclusive responsável pela impressão de pelo menos parte da moeda brasileira no passado, na época do Cruzeiro.

Assim, se a Casa da Moeda privada começar a cobrar preços salgados ou diminuir a qualidade do produto, o governo poderia optar pelas estrangeiras, nas quais o custo das notas seria quase certamente mais baixo. É crucial, portanto, que o governo brasileiro esteja livre para encomendar o dinheiro em outras casas ao redor do mundo. Caso contrário, apenas transforma-se um monopólio estatal em um monopólio privado, que também não tem muitos incentivos a entregar um produto de boa qualidade a baixos custos.

Outra preocupação natural com a privatização está relacionada a segurança. Não estaria a Casa de Moeda privada mais sujeita a desvios? Isso poderia de fato prejudicar a estabilidade monetária do país, pois o dinheiro desviado estaria fora do controle do Banco Central e entraria em circulação.

Não é nada óbvio que esse seja um problema mais grave numa Casa da Moeda privada do que numa Casa da Moeda estatal. Mas se isso é um risco sério que o governo deseja evitar, então há vantagens em transferir a produção do dinheiro para fora do país.

POR QUÊ?

Porque os incentivos a desviar o dinheiro são mais fracos no exterior. Afinal, o que um funcionário de uma companhia sueca faria com um maço de notas de R$ 100? Ele não consegue transformá-las em bens de consumo, pois lojistas não aceitam reais em transações por lá. E tentar trocá-las em casas de câmbio certamente levantaria suspeitas.

Por outro lado, desviar reais aqui no Brasil tem muito mais retorno. O ladrão consegue facilmente comprar coisas com esse dinheiro. Dessa forma, mesmo que aqui e lá fora as normas de seguranças sejam idênticas e os funcionários sejam igualmente honestos, podemos esperar mais desvios no Brasil.

A transferência da produção de reais para o exterior tem benefícios adicionais para além dos riscos mais baixos na produção. O processo de produção de dinheiro (notas e moedas) envolve uma série de componentes —o desenho, a composição do papel, a impressão com inclusão de traços de segurança (marcas d'água, impressão a laser, utilização de polímeros e elementos magnéticos no papel)— e requer máquinas especiais e caras. Como essas casas especializadas lá fora imprimem também dinheiro de outros países, elas têm larga escala de produção, o que dilui custos fixos e ajuda a explicar em parte porque as notas fabricadas nesses lugares são mais baratas daquelas feitas hoje na Casa da Moeda.

Por outro lado, se nosso dinheiro continuar a ser fabricado quase que exclusivamente por uma Casa da Moeda estatal, teríamos que produzi-lo a custos crescentes. A razão tem a ver com a provável queda na necessidade de dinheiro na forma de papel. À medida que as pessoas passam a adotar outros meios de pagamento (como cartões de crédito e débito, internet banking e até celulares), o uso de papel-moeda deve cair bastante.

Com isso, a Casa da Moeda teria que produzir cada vez menos cédulas e moedas metálicas. Se a produção ficar concentrada na estatal, a diluição de custos fixos será cada vez menor, aumentando o custo por unidade (a queda na demanda de moeda é um fenômeno mundial e, assim, afeta também as empresas internacionais, mas o efeito sobre elas deve ser menor, pois fabricam notas e moedas em larga escala).

Note-se, ainda, que essas empresas internacionais estão há bastante tempo no mercado, e desenvolveram reputação internacional. Atendem a diversos países. Caso pisem na bola com nosso dinheiro, podem perder não só o Brasil como cliente. Por isso, têm incentivos a entregar um produto de boa qualidade e seguro.

Há, entretanto, potenciais custos associados a transferir a produção do dinheiro para fora. Ao chegar do exterior, o dinheiro terá que passar por portos ou aeroportos nacionais, onde pode sofrer desvios. Ou seja, se há menos riscos associados à produção, pode haver riscos adicionais no transporte.

Ainda assim, é algo que precisamos considerar. Afinal, outros países também lidam com esses custos e esses benefícios, e são clientes de empresas internacionais produtoras de dinheiro.

Colaborou Sergio Almeida, professor de economia da USP

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