Folha de S. Paulo


O BNDES vai insistir no erro?

Armando Paiva/Agif/Folhapress
Cerimônia de posse do novo presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, nesta quinta-feira (1º) de junho, na sede do BNDES
Cerimônia de posse do novo presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, em junho

A sociedade brasileira não pode permitir que a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) siga balizando os empréstimos do BNDES depois de 2018. E precisamos ficar de olho nos "seis anos em seis meses" anunciados pelo presidente do banco, Paulo Rabello de Castro, na semana passada.

O governo não deve se meter a dar empréstimos com dinheiro do contribuinte porque (1) não há vantagem comparativa na medida; e (2) não visa eficiência na alocação de crédito. Como mostram os fatos recentes, muito desse crédito acaba ou enriquecendo os amigos do rei, ou indo parar na lata do lixo de projetos grandiosos, mas ineficazes do ponto de vista econômico.

"Mas e os objetivos sociais?". Política social se faz via transferência de renda, saúde e escola públicas decentes, e não com crédito barato para empresas grandes. Surpreende a direção atual do BNDES não entender isso, depois de tantos anos de fracasso nessa aposta.

"Ah, e numa crise, não precisa de BNDES?". Não, não precisa. O Tesouro Nacional pode muito bem subsidiar investimentos e empréstimos em momentos de recessão. Além disso, num caso de pânico bancário, o Banco Central pode agir injetando enormes quantidades de liquidez no sistema financeiro, baixando assim o juro.

O Brasil não precisa de mais essa "mãozinha" do BNDES, pelo contrário. Como diziam as nossas avós, muito ajuda quem não atrapalha.

Mas não se trata só de pisar no acelerador. A direção atual do BNDES torce o nariz para a TLP, a taxa de longo prazo proposta pela equipe da Fazenda e apoiada pela ex-presidente do banco, recentemente dispensada. A TLP é a substituta da TJLP, que, a partir de 2018, passaria (passará?) a indexar os novos empréstimos do banco.

A diferença entre a antiga TJLP e a TLP não é apenas a letra "J" da sigla: enquanto a primeira não reflete o custo de oportunidade do dinheiro, o que configura um subsídio aos empresários suficientemente conectados ao poder; a TLP, indexada ao rendimento dos títulos do governo conhecidos como NTN-B, iria gradualmente dar cabo desse subsídio, tornando todos os empresários iguais perante a sociedade e o mercado de crédito.

A transição da TJLP para a TLP representa um avanço de proporções bíblicas. Caso o BNDES reveja essa mudança, será responsável por segurar a queda em curso na Selic e impedir que o juro real de mercado, enfim, se aproxime de valores praticados por outros emergentes.

O processo de queda dos juros, hoje em curso, depende crucialmente da chegada da TLP para prosseguir. A ligação entre essas duas coisas não é difícil de entender.

Os empréstimos do BNDES hoje –e parte do estoque por ainda muitos anos– são imunes a mexidas na taxa de juro determinada pelo Banco Central, a Selic, justamente por estarem atrelados a uma TJLP que quase não se mexe.

Isso significa que para atingir um mesmo resultado em termos de redução na expansão do crédito (é disso que o Banco Central precisa num momento em que a inflação se encontra acima da meta), a alta na Selic precisa ser muito maior do que seria se atingisse todo o mercado de crédito.

Contudo, como uma parte desse mercado não reage à Selic (não apenas os empréstimos do BNDES, mas também outros segmentos de crédito dirigido), para atingir o mesmo resultado agregado a Selic deve impactar em demasia o crédito nos segmentos não protegidos pela TJLP. Mas, para isso, a Selic precisa subir mais.

Trocando em miúdos, quem reclama da Selic alta não poderia, logicamente, ser contra a mudança da TJLP para a TLP.

Uma analogia da física ajuda a ilustrar: levantar uma pedra pesada com uma alavanca curta é muito duro, você precisa fazer muito mais força do que quando a alavanca ligando sua mão à pedra do outro lado da balança é longa. A TJLP encurta a alavanca da política monetária.

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