Folha de S. Paulo


Qual o melhor antídoto contra crises bancárias?

Comugnero Silvana/Fotolia
Notas de Real
Notas de Real

Caso o estimado leitor queira montar um negócio e lhe falte poupança para dar a largada, há duas maneiras de levantar os recursos faltantes:

1) Você chega para um grupo de pessoas e diz: "Oi, pessoal, vamos nos juntar? Cada um põe uma grana e montamos uma sociedade para produzir... lapiseiras! Se der lucro, repartimos; se não, todos perdemos um pouco do nosso capital".

2) Você emite um título com promessa de repagar no futuro em troca de dinheiro vivo hoje, e se compromete a repagar o principal com juros daqui a um certo tempo independentemente da sua condição lá na frente —nesse modelo você não tem mais sócios, mas, sim, credores.

Qual a diferença concreta entre essas alternativas?

Dividendos só são pagos se há lucro. Mas, se você não paga uma dívida, o credor vem atrás de você e dos seus ativos —aliás, essa é a natureza de um contrato de dívida: você tem que repagar qualquer que seja a contingência. Por isso, financiar-se com capital ajuda em momentos ruins: você não precisa desembolsar nada em tempos de vacas magras, o que ajuda na absorção de choques. Já a vantagem da dívida é que, em tempos bons, você não precisa compartilhar a fartura com os outros: o juro da dívida é fixo, não cresce só quando seu negócio vai melhor - em bom português: a vaca gorda fica todinha para você.

No início do século 20, 30% dos ativos de um banco típico eram financiados por capital próprio. Cem anos depois, muitas instituições financeiras possuíam —ali na véspera da crise financeira— menos que 3% de capital próprio (não no Brasil, afortunadamente). Com capital reduzido e dívida abundante, o sistema estava tão sólido quanto um castelo de areia à beira mar.

Vamos ilustrar essa história com uns números?

No dia 1º de abril, fundava-se o hoje famoso Banco RC, da dupla de economistas Rodrigues-Carvalho, os quais aportaram R$ 5 milhões de capital próprio para o empreendimento.
Adicionalmente, o banco decide emitir CDBs no valor total de R$ 95 milhões. Com 100 milhas no caixa, RC vai em busca de projetos para financiar: empresta tanto para empresas querendo investir (que oferecem suas máquinas como garantia) como para famílias em busca do sonho da casa própria (a própria casa é o colateral).

Mas o macro otimismo que levara à fundação do RC não se concretiza: Pindorama passa por uma desaceleração do crescimento por causa de problemas externos e da má política econômica doméstica. Há aumento do desemprego e queda nas vendas das empresas dos mais variados setores. Isso significa que os ativos do RC —os empréstimos que ele fez— caem de valor. As empresas em dificuldade repagam apenas parte da dívida e as pessoas desempregadas param de repagar a prestação da casa. Em termos de números, digamos que essas dificuldades somadas sejam equivalentes a uma perda de 10% do valor dos ativos do banco, ou seja, R$ 10 milhões.

Quem comprou o CDB banco a essa altura já está para arrancar os cabelos: o banco tem que repagar R$ 95 milhões em dívidas, mas só tem R$ 90 milhões em ativos. E agora? E agora a conta não fecha e o melhor a fazer é correr para estar na frente da fila! Mas com todo mundo pensando assim, está instalada a confusão. E a crise se amplifica.

Mas vamos brincar de economista e aumentar o capital próprio do banco. Rodrigues e Carvalho, nessa nova versão da história, aportam 15 milhões em vez de R$ 5 milhões. Isso significa que a dívida do banco com terceiros é agora menor, no montante de R$ 85 milhões. A crise é a mesma: ela derruba o valor dos ativos em 10%. Porém, os R$ 90 milhões restantes são mais do que suficientes para honrar a dívida com terceiros (os CDBs), no valor de R$ 85 milhões. Assim, as pessoas não saem correndo desesperadas para sacar seu dinheiro. Ou seja, a crise NÃO se amplifica.

Essa explicação do fenômeno das crises bancárias está bem esquematizada, mas a ideia básica segue válida em modelos mais complexos: numa economia em que os bancos apresentam pouco capital próprio, o risco de uma crise econômica virar uma crise financeira (com impactos devastadores sobre a economia) é maior.

A essa altura, nossos 300 mil leitores podem se perguntar: mas o banco não teme essa quebra? A resposta é: não no grau que deveria temer se Rodrigues e Carvalho imaginam que o governo de Pindorama poderá vir em seu socorro na hora do aperto (e o governo tem todo incentivo a fazer isso para evitar o caos que se segue a uma quebradeira bancária). Eles jogam o jogo de quanto mais dívida melhor: em tempos de vacas gordas, eles ficam com os ganhos extras e pagam aos credores um mirrado juro fixo. No tempo de vacas magras, pedem para e contam com o governo para pagar os credores e evitar o pânico.

Com uma lei que exija mais capital próprio para cada empréstimo feito pelo banco, crises são menos frequentes. Até porque, tendo algo a perder, Rodrigues e Carvalho vão analisar com mais cuidado para quem emprestar.

Resumindo, o melhor antídoto anticrise não é regulamentar excessivamente as atividades dos bancos, mas, sim, exigir que os sócios usem mais capital e menos dívida para se financiar.

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