Folha de S. Paulo


Por que o sigilo da fonte jornalística joga contra a corrupção?

Doug Patricio/Brazil Photo Press/Folhapress
Irmã do senador Aécio Neves, Andrea Neves, acompanhada de agentes da PF chega ao IML de Belo Horizonte para exame de corpo de delito
A irmã do senador Aécio Neves, Andrea Neves, é acompanhada por agentes da Polícia Federal

Um fato lamentável ocorreu nas últimas semanas: as conversas de um jornalista com sua fonte (que tinha o telefone grampeado) tornaram-se públicas, pois passaram a constar nos áudios referentes à investigação contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

No caso, o jornalista é Reinaldo Azevedo, colunista da Folha, e a sua fonte é Andrea Neves, irmã de Aécio.

As conversas não têm relação com a investigação em curso. Não desvendam fatos novos, não ajudam a solucionar crimes. Revelam, no entanto, o jornalista falando mal de seu empregador –até então, a revista Veja–, o que o levou a pedir demissão.

Não está claro ainda quem foi o responsável pela divulgação dos áudios –Ministério Público, Polícia Federal ou até o Supremo Tribunal Federal. Pode ser que tudo tenha decorrido de um engano.

Mas não dá para descartar que isso seja um instrumento de intimidação. Afinal, Reinaldo Azevedo vinha criticando a atuação do Ministério Público e da Polícia Federal nas operações de combate à corrupção. De qualquer forma, o estrago já está feito.

Sim, Reinaldo Azevedo é uma figura controversa. Mais importante no episódio, no entanto, não é o impacto sobre ele, mas, sim, sobre uma fundamental instituição democrática: a liberdade de imprensa. Em última análise, essa instituição ajuda no combate à corrupção. A divulgação dos áudios joga contra o esforço despendido pela Polícia Federal e pelo Ministério Público nessa direção.

Jornalistas têm todo o incentivo do mundo a desvendar desmandos de governantes, mau uso do dinheiro público e escândalos de corrupção. Fama, prestígio, reputação, bons contratos com veículos de imprensa, vendas de livros –tudo isso é potencializado quando um grande escândalo é desvendado.

Dessa forma, a imprensa atua como um freio sobre os governantes. Não apenas ajudando a limitar abusos de poder, mas inibindo transgressões, como o roubo do dinheiro público, e relações escusas com entes privados.

Políticos, sabendo que podem ser desmascarados, têm menos incentivo a cometer ações ilícitas. Isso também ajuda a atrair políticos melhores, interessados no bem-estar da população e não no próprio bolso.

Sem uma imprensa independente e ativa, a vida de políticos desonestos é bem mais fácil.

O artigo de Aymo Brunetti e Beatrice Weder encontra de fato uma correlação forte entre liberdade de imprensa e percepção de corrupção. Em média, nos países em que a imprensa é mais livre, os índices de corrupção tendem a ser menores.

Fontes anônimas são cruciais nesse trabalho da imprensa em descobrir contravenções.

Pense em um funcionário público honesto, que sabe de uma negociação ilegal entre um senador e um empresário, mas que tem medo de vir a público, por exemplo, porque teme retaliações. Essa pessoa pode comunicar anonimamente o fato a um jornalista e ele, por sua vez, trazer luz aos fatos para toda a sociedade.

Mas e se a fonte não tem garantia de que permanecerá anônima? Aí o incentivo a contar o que sabe a um repórter é muito menor.

A divulgação das conversas entre Reinaldo Azevedo e Andrea Neves mandou uma mensagem para eventuais delatores: suas conversas telefônicas com jornalistas não serão necessariamente mantidas confidenciais. E isso vai além de Reinaldo Azevedo e Andrea Neves. Trata-se de uma clara piora nas instituições democráticas do país.

No fim das contas, esse tipo de vazamento prejudica o próprio objetivo das operações da Polícia Federal e do Ministério Público: o combate à corrupção.

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