Folha de S. Paulo


Qual a importância das instituições na economia?

Ali por volta de 1800, a desigualdade de renda entre os países do mundo era, pelo que indicam os dados do historiador Angus Madison, bem modesta. Os países mais ricos tinham uma renda por habitante de duas a três vezes maior que a dos mais pobres. Hoje, essa diferença é muito mais brutal.

O que aconteceu no meio do caminho foi a tal da Revolução Industrial. Há um debate acalorado no mundo acadêmico sobre por que ela ocorreu na Inglaterra, e por que naquela época, mas isso fica para outro dia. Para nós de Pindorama importa mais entender por que alguns países, como os EUA e os de parte da Europa Ocidental, entraram no bonde do crescimento rapidamente, enquanto nós e tantos outros hermanos ficamos chupando dedo.

Há um certo consenso na literatura acadêmica —coisa meio rara— de que a explicação para nosso atraso está na qualidade das nossas instituições político-econômicas. As regras formais e informais que regem nossas sociedades não são conducentes ao desenvolvimento.

Em muitos lugares, as instituições foram moldadas, desde os tempos coloniais, de modo a favorecer alguns poucos membros da elite. Clientelismo, corrupção, ausência de competição e de mercados livres, ingerência indevida do público no privado, laços de compadrio. Na América Latina, as instituições são tortas desde os tempos da Colônia.

Mas os EUA foram colônia também. E são um país rico. Seria a origem do colonizador o problema, como dizem por aí? Não, a Jamaica fala inglês e é pobre. A culpa, caro leitor, é dos mosquitos e das terras férteis.

Os europeus que pisaram nas praias da America Latina e Central enfrentaram tremendas dificuldades de adaptação ao novo clima. Morriam aos borbotões de malária e de outras doenças desconhecidas de seu sistema imunológico. As terras, porém, eram lucrativas, abundantes e se adaptavam bem ao plantio de produtos cobiçados na Europa. O que fazer? Instalar-se em massa e cultivar a terra, ou seja, colonizar para residir ou usar nativos e importar escravos para explorar a terra? Com muito mosquito e muita doença, fazia mais sentido trazer gente da África (bem mais adaptada ao clima e às doenças tropicais) ou escravizar uma estrutura social hierarquizada já prontinha para ser explorada, como a dos astecas e incas.

Mas sendo essa a escolha ideal de mecanismo de produção e colonização, melhor "plantar" instituições que NÃO garantam liberdades individuais para toda a sociedade, mas protejam os interesses das elites, para perpetuar a desigualdade de poder político e manter as rédeas do poder econômico. Essas instituições criam raízes e são difíceis de extirpar. Já nos EUA o clima e os mosquitos eram mais colaborativos, e a terra não era lá muito propícia para plantios extensivos com uso de mão de obra escrava (exceto no sul, que até hoje é mais pobre). Por isso, o europeu que migrou para lá foi mesmo para ficar e trabalhar a terra com as próprias mãos, em propriedades de pequeno porte. Sendo essa a estrutura econômica inicial, as instituições tomaram outro tipo de formato, mais igualitárias, com foco em garantir o direito privado à propriedade.

O gráfico a seguir, que incorpora dados de 70 países, ilustra como a incidência de mortalidade entre os colonos no século 17 está fortemente correlacionada com a qualidade institucional dos países até hoje! Cada ponto representa um país e a correlação é claramente negativa: países que lá atrás eram mais inóspitos para os brancos europeus são os mesmos que hoje têm pior qualidade institucional ¹, medida pelo índice de garantia de direitos de propriedade do Banco Mundial.

Entre 1600 e 1800, essas diferenças institucionais não foram decisivas para o crescimento econômico. Afinal, as commodities plantadas abaixo ou em torno do Equador valiam ouro, e não era preciso muita inovação ou empreendedorismo para prosperar: bastava comprar escravos na África e semear.

Mas isso muda radicalmente no século 19, com o advento da Revolução Industrial: agora sociedades mais preparadas para lidar com inovação e seus desdobramentos adquiriam uma espécie de vantagem comparativa: a de absorver e adaptar mais rapidamente as novas tecnologias que iam surgindo aos jorros na Inglaterra. Nesse admirável mundo novo, o PIB dos países com boa qualidade institucional começa a crescer a taxas exorbitantes e o destino dos países do novo mundo começa a divergir.

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O calcanhar de Aquiles do desenvolvimento é a qualidade das instituições. Por causa de nossos mosquitos e exuberância, nossa largada não foi nada boa. Mas identificar com clareza que o obstáculo é esse, e não a falta de demanda agregada, o câmbio sempre apreciado ou a maldade das potências internacionais, já é um bom começo.

[1] Existem diversas medidas de qualidade institucional. Esta, que mede as garantias dos direitos de propriedade, é apenas uma entre elas, mas a mais comumente empregada.

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