Folha de S. Paulo


Precisamos falar sobre o PIB no longo prazo

Muito ajudaria se discutíssemos menos o PIB de um dado trimestre e mais a sua evolução durante período mais longo. A Selic um pouco mais alta ou um pouco mais baixa faz cócegas no PIB aqui e acolá. Mas fatores conjunturais não explicam o gráfico abaixo. E é ele que requer explicação.

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Vejam vocês, antes de tudo, que os três países selecionados eram bem pobres até o pós-guerra, com uma renda ali na casa dos US$ 1.500 para o Brasil e US$ 1.200 para a Coreia (que era uma só até então). Aí vieram os 25 anos gloriosos, entre 1950 e 1975, quando todos aceleraram - o Brasil viveu o tal "Milagre" e as Coreias, depois de uma triste guerra, já eram duas, no plural.

Os PIBs nas décadas de 1950 e 1960 eram parecidos, mas já se gestavam enormes diferenças: lógicas distintas de política econômica semeavam futuros bem díspares.

Finda a guerra, a Coreia do Norte abandonou o livre mercado como instrumento de alocação de bens e serviços e implantou uma ditadura das pesadas. A Coreia do Sul tomou outro rumo: abertura ao comércio exterior, competição, investimentos pesados em educação e alguma intervenção estatal (pouca democracia no começo, mais democracia depois).

Aqui nos trópicos, o Brasil foi pela trilha dos investimentos pesados em capital físico, desprezo quase absoluto pelo capital humano e bastante, mas bastante mesmo, intervenção do governo na economia (e vinte anos de ditadura).

O desastre da ausência de mercados na Coreia do Norte foi dantesco. O que hoje vemos por lá são alguns poucos políticos comendo caviar num castelo e a população passando fome, com nível de renda per capita similar ao do Brasil Colônia. Um país obscuro, fechado ao mundo.

Já a Coreia do Sul explodiu, com grande aceleração da renda por habitante. A crise da década de 1990 foi uma hecatombe por dois anos, mas veja como não passou de uma cócega na perspectiva de longo prazo.

Notem o seguinte: antes da separação, as Coreias eram a Coreia. Mesmo povo, mesma carga genética, mesma língua, mesma distância dos grandes centros econômicos, mesma península, mesmo tae kwon do, mesma cultura. Isso não mudou de uma década para outra, tudo segue como antes. Com uma diferença: a metade de baixo incentivou a iniciativa privada e abandonou o devaneio do planejamento central. A de cima fechou-se em si mesma, impediu a livre iniciativa e pôs o governo acima de tudo e de todos. Só essa é a diferença e olhem só aonde levou!

O caso das Coreias é um belo exemplo do que chamamos de experimento natural em ciências sociais, coisa raríssima: acontece algo (uma guerra, no caso) que mexe exogenamente com uma variável (nesse caso, a presença ou ausência de mercados). Um dado é jogado e irmãos gêmeos vão por caminhos opostos: um vira mercado, o outro vira comando e controle. Nesses eventos, o pesquisador pode traçar com precisão o impacto da mudança sobre o sistema econômico.

E o Brasil? A escolha do Brasil foi intermediária: não virou um país onde tudo é planejado pelo governo, mas foi tímido em migrar para a solução de mercado. E desprezou a educação do seu povo por décadas a fio: preferiu investir em estradas, máquinas, siderúrgicas etc. Mas tudo isso incentivando muito pouco a competição, sempre andando pelas trilhas do capitalismo de compadrio, que acolhe os amigos do rei e impõe a lei para os outros.

Aí ficamos no meio do caminho, como era de esperar.

Não somos nós quem dizemos isso. É o gráfico ali em cima.

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