Folha de S. Paulo


Qual o impacto dos tuítes de Trump?

A chegada de Donald Trump à Casa Branca trouxe várias coisas novas e exóticas à política americana. Uma delas é o constante emprego do Twitter pelo próprio presidente para interagir com os cidadãos, utilizando sua conta pessoal.

Em diversas ocasiões Trump mencionou empresas em seus tuítes, tanto de forma positiva como de forma negativa. Do lado positivo, elogiou, por exemplo, montadoras de automóveis por anúncios de planos de investimento em solo americano, o que supostamente geraria empregos no país. Do lado negativo, detonou —antes mesmo de assumir a presidência— a empresa Lockheed Martin pelo elevado preço cobrado por aviões militares vendidos ao governo americano.

Recentemente, a defesa dos seus interesses pessoais (e não necessariamente do povo americano) transpareceu em tuítes direcionados ao setor privado, como aquele em que reclamou da Nordstrom —rede de lojas de departamento— porque a empresa desistiu de vender produtos com a marca de sua filha, Ivanka Trump.

Tuíte de Trump contra a Nordstrom

É interessante observar o impacto desses tuítes no mercado financeiro, especificamente nos preços das ações de empresas citadas por Trump. Por que deveríamos observar algum efeito? Lembre-se de que uma ação é um pedacinho de uma companhia. Quem a possui tem direito a uma fração dos lucros futuros da empresa, que são os tais dos dividendos. Uma notícia que sinalize menores lucros futuros diminui o apetite dos investidores pelas ações da companhia, o que faz com que seu preço se reduza já hoje.

Por exemplo: a reclamação de Trump com relação ao elevado preço cobrado pela Lockheed Martin torna mais provável um cenário de renegociação entre o governo americano e a companhia —o que significa preços mais baixos e/ou menos aviões vendidos. Ou seja, menor expectativa de lucros para a empresa no futuro, o que derruba os preços de suas ações no momento em que Trump posta o tuíte.

Foi justamente o que aconteceu. Trump publicou seu tuíte no dia 12 de dezembro de 2016. Minutos depois, os preços da Lockheed Martin estavam em queda livre. Naquele dia a ação recuou cerca de 5%; o valor de mercado da companhia encolheu em US$ 4 bilhões.

Similarmente, um elogio do chefe também mexe nos preços das ações, mas para cima. A revista britânica "The Economist" fez uma análise dos episódios em que Trump menciona empresas em sua conta no Twitter, separando tuítes positivos e negativos. Em média, tuítes positivos estão associados a um aumento de 1,1% nos preços das ações das firmas elogiadas pelo comandante-chefe; tuítes negativos ensejam quedas médias de 0,8%.

Tuíte de Trump contra a Lockheed Martin

POR QUE ISSO É IMPORTANTE?

Além de ser um caso peculiar para entendermos o funcionamento do mercado de ações, o estilo pessoal de Donald Trump inspira preocupação, principalmente pelo tratamento individual dado a empresas.

O motivo mais óbvio é que isso abre a porta para corrupção. Imagine que você saiba de antemão que o presidente americano vai lançar um tuíte falando bem de uma empresa. Você poderia comprar ações da tal firma minutos antes da postagem (quando preço ainda está baixo) e vendê-las minutos depois (quando o preço está mais alto), fazendo uma fortuna com essa operação.

Imagine agora se o presidente decidir contar para alguém que lançará um tuíte sobre determinada empresa em troca de algum favor. Essa possibilidade não pode ser descartada. Afinal, Trump não demonstra muito pudor em separar sua atuação no governo de seus interesses privados, haja vista a reclamação pública no caso da Nordstrom, que mencionamos acima. Mais assustador nesse caso: a postagem de Trump foi compartilhada pela conta oficial da presidência dos Estados Unidos no Twitter.

Uma segunda repercussão, talvez mais importante, é o impacto do estilo de Trump sobre o comportamento das próprias empresas. Afinal, as companhias passam a ser recompensadas não por sua competência e eficiência, mas sim pela capacidade de agradar o todo-poderoso. Passam, assim, a investir mais no cultivo de uma boa relação com a presidência do que na inovação ou na melhoria de seus produtos, por exemplo. Isso pode ter consequências nefastas sobre a produtividade dos Estados Unidos no longo prazo.

Para ter uma ideia disso, é só olhar para a economia brasileira. Por aqui, a linha que separa o setor público de interesses privados é muito tênue.

Empresários se valem de seu relacionamento com políticos para obter vantagens como proteção contra competição, subsídios ou contratos junto ao setor público. Pouca gente ganha bastante dinheiro, e a conta fica com milhões de consumidores (que se defrontam com preços mais altos por causa da falta de competição) e contribuintes (que acabam arcando com subsídios e contratos públicos superfaturados, por exemplo). Isso muitas vezes desemboca em corrupção e prejudica a produtividade do país, na medida em que os empresários de sucesso não são necessariamente os mais inovadores, mas sim aqueles que têm melhores conexões com políticos.

É desse ambiente tóxico, exposto pela operação Lava Jato, que o Brasil precisa desesperadamente se livrar. E é nessa direção que Trump está levando a economia americana. Não que os Estados Unidos se tornarão o Brasil após alguns anos. Mas a direção é preocupante. Tomara que as instituições americanas (muito mais fortes que as nossas) sejam capazes de deter esse movimento.

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