Folha de S. Paulo


Em 2016, finalmente, o Brasil chegou ao século 20?

2016 foi um ano inesquecível.

Parece que não se passou um dia sem uma notícia espetacular ou a sensação de que estamos construindo a história. Participamos —a favor ou contra— do processo de impeachment da agora ex-presidente; aprovamos uma emenda constitucional que limita o crescimento do gasto público, mas protege investimentos em educação e saúde; mandamos políticos corruptos para a cadeia; e aprendemos que a maioria de nossos juízes e promotores não se cansa de zombar do teto constitucional para os próprios salários.

À primeira vista, parece que estamos no caos. Mas, prestando atenção, podemos reconhecer um tema comum emergindo: chegamos à era de questionamento dos privilégios.

A crise econômica foi o fator catalizador. Enquanto nós, eleitores e cidadãos, antevíamos um futuro brilhante de carona nas commodities —cujos preços nunca mais cairiam—, era fácil se distrair. Deixávamos passar batidos projetos antieconômicos de refinarias multibilionárias, tungadas no bolso dos trabalhadores para financiar amigos do rei ou os privilégios das castas togadas.

Quando o desemprego bate acima de 10% e a dívida pública decola como rojão que vai cair no telhado de nossa casa, fica mais difícil justificar esses privilégios.

Não dá para engolir que as castas superiores recebam salários mais altos e que também tenham estabilidade no emprego e aposentadorias integrais; que políticos consigam driblar os agentes da lei e escapar para cima; ou que bilionários usem dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para investimentos arriscados.

Esse repúdio aos privilégios é bem-vindo. É como se, finamente, estivéssemos chegando ao século 20.

Existem ainda muitas distorções. E algumas delas são jabuticabas que somente germinam em nossos quintais. Aposentadorias e pensões por morte integrais; universidade pública gratuita e dominada por interesses estreitos; e salários generosos para muitas carreiras do setor público conspiram para que o Brasil seja um país mais pobre.

Se o ano que está para começar for uma continuação do que está acabando, cada um desses nobres pescocinhos sentirá a guilhotina descer —mas 2017 pode até inovar.

O Brasil mantém um purgatório de formulários e assinaturas autenticadas em cartório.

Nas próximas semanas, chegará para muitos o boleto da anuidade de algum dos conselhos profissionais do país —entidades, em geral, com menos utilidade que um apêndice intestinal, mas que, apesar disso, cobram pedágio dos trabalhadores.

Quem quiser abrir uma microempresa no próximo ano, ainda vai precisar apresentar coisas como título de eleitor e certidão de casamento —quando o bom senso requereria apenas o número do CPF e um documento de identidade com foto (passaporte ou RG).

Quem sabe não pulamos algumas décadas e avançamos rumo à agenda do século 21?

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