Folha de S. Paulo


Por que o fim dos privilégios depende da opinião pública?

Evaristo Sa-15.jun.2016/AFP
(FILES) This file photo taken on June 15, 2016 shows then Brazilian acting President Michel Temer (R) and the General Secretary of the Brazilian Presidency Geddel Vieira Lima speaking during a meeting with party leaders of the National Congress at Planalto Palace in Brasilia. Vieira Lima resigned on November 25, 2016 amid a political crisis in Brazil. Brazilian President Michel Temer denied Thursday having
O ex-ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima (à esq.) e o presidente Michel Temer

O estado brasileiro, em larga medida, serve a interesses de grupos e indivíduos.

Há, por um lado, intervenções e pressões legítimas e transparentes, de grupos ou segmentos que lutam por direitos ou causas. Mas subsiste também, por outro lado, o arcaico modelo pelo qual interesses particulares prevalecem sobre o interesse público; e os mais próximos do poder conseguem vantagens em licitações, subsídios, crédito barato, proteção contra competição. Na prática, as regras valem só para os outros.

Nesse caso, estamos falando de corrupção, pois o acesso preferencial garante lucros gordos e algumas empresas estão dispostas a gastar muito dinheiro por causa dele.

Esse quadro traz custos enormes para o Brasil. Não só porque o dinheiro público (que sai do nosso bolso na forma de impostos) é desviado, mas, também, porque isso traz efeitos prejudiciais à produtividade.

Um exemplo são os projetos vultosos, mas de pouca serventia, que alguns políticos abraçam por facilitarem a corrupção. Outro caso envolve as firmas mais próximas ao poder (cujos empresários topam "sujar as mãos"), que têm mais chances de vencer licitações ou garantir vantagens para o seu setor, mesmo que não sejam as mais produtivas.

Ou seja, garante-se, assim, a sobrevivência de empresas menos eficientes em detrimento das que têm potencial para produzir mais.

Isso também resulta em desigualdade, já que a proximidade ao poder é para poucos. Poderosos e pessoas a eles conectadas ganham muito dinheiro, enquanto o resto da população sofre com serviços públicos de péssima qualidade.

O BRASIL ESTÁ MUDANDO?

As relações escusas entre setor público e interesses privados estão em xeque no Brasil. A Lava Jato avança e, finalmente, políticos e empresários corruptos são investigados e punidos. Ao mesmo tempo, a péssima situação das finanças públicas nos força a priorizar despesas e, desse jeito, gastos feitos apenas em nome de grupos privilegiados tendem a ser cortados.

Mas não podemos comemorar. Os acontecimentos da última semana demonstram como se mantém firme e forte o uso do estado para benefício próprio. O episódio envolvendo o agora ex-ministro Geddel Vieira Lima é símbolo disso.

Geddel, até a última semana, comandava a Secretaria do Governo. Foi acusado pelo demissionário ex-ministro da Cultura Marcelo Calero de pressioná-lo a liberar a construção de um edifício de 30 andares no centro histórico de Salvador. Geddel tem um apartamento lá. E não nega ter usado a sua posição de ministro para tentar se favorecer na questão —parecia achar atitude normal, aliás.

Líderes dos partidos governistas deram apoio a Geddel e o presidente Temer não o demitiu de pronto. Seus defensores também se portaram como se nada houvesse de irregular no episódio: usar o poder de Estado para benefício particular seria parte do jogo político.

O caldo só entornou com a notícia de que o próprio presidente teria intercedido na briga entre ministros. A demissão de Geddel veio só diante da suspeita de que Temer teria saído em sua defesa contra Calero —e da consequente pressão do eleitor.

QUAL O PAPEL DA OPINIÃO PÚBLICA?

O Brasil depende de uma série de reformas para sair da situação econômica em que está. Estariam nossos líderes comprometidos com elas ou só estão capitaneando uma agenda de remendos para evitar um desastre maior? Trata-se só de impedir a volta da hiperinflação ou um calote ou querem, de fato, fazer do Brasil um país melhor?

Dúvidas como essas dificultam a recuperação da nossa economia, no curto prazo, e podem frustrar a expectativa de melhora, no longo prazo. Mas, além dessas dúvidas, o episódio deixa uma certeza: a opinião pública tem papel fundamental nas mudanças.

Sem a pressão popular, amplificada pelas mídias sociais e tradicionais, provavelmente, Geddel ainda seria ministro. Essa pressão também foi definitiva para evitar a aprovação da anistia para crimes de caixa 2 em campanhas eleitorais passadas.

A movimentação dos parlamentares inflou a indignação das pessoas. Graças a essa revolta, fracassaram as manobras de tentar votar o perdão aos corruptos na calada da noite, quando ninguém está prestando muita atenção; ou de fazer uma votação não nominal, para que nenhum parlamentar ficasse marcado.

Nesse contexto, o presidente Temer, ao lado dos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Rodrigo Maia, deu uma coletiva para avisar que vetarão qualquer tentativa de anistiar o caixa 2 - curiosamente, Rodrigo Maia passara a semana inteira defendendo a ideia.

Temer declarou, explicitamente, que estavam ouvindo o povo. Isso nos lembra uma passagem do economista Milton Friedman (em tradução livre):

"Não acredito que a solução para nossos problemas seja, simplesmente, eleger pessoas certas. A coisa mais importante é estabelecer um clima político que torne politicamente lucrativo fazer a coisa certa, mesmo pelas pessoas erradas."

Mais do que eleger bons políticos, é crucial que tenhamos um sistema de incentivos para que mesmo o pior dos políticos faça a coisa certa. A pressão popular pode ser o incentivo que falta.

Torcemos para que a opinião pública continue vigilante, ativa. São várias batalhas importantes a serem travadas ao longo dos próximos anos para que possamos garantir um país melhor para nossos filhos e netos. O cenário de restrições orçamentárias da provável aprovação da PEC 55, por exemplo, exige que todos fiquemos ainda mais atentos às prioridades dadas pelos governantes com o nosso dinheiro.


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