Folha de S. Paulo


Por que Trump foi eleito, apesar de tudo?

Pablo Martinez Monsivais/Associated Press
President-elect Donald Trump speaks to members of the media during his meeting with President Barack Obama in the Oval Office of the White House in Washington, Thursday, Nov. 10, 2016. (AP Photo/Pablo Martinez Monsivais) ORG XMIT: DCPM107
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump

Deu zebra. Para muitos, tão dolorosa quanto o 7 a 1. Mas é do jogo e Donald Trump se elegeu presidente dos Estados Unidos.

Foi uma grande surpresa, na contramão de pesquisas de opinião e comentaristas políticos, amadores e profissionais. Mas como um aventureiro desses conseguiu chegar à Casa Branca, com um discurso beirando o fascismo, com propostas de política dignas de um bêbado de botequim e com a delicadeza de um gangster?

É difícil de entender.

Os Estados Unidos têm a melhor economia entre os países ricos, recuperou-se da crise de 2008 e atingiu níveis historicamente baixos de desemprego. A inflação por lá está bastante reduzida e os salários têm ganhado a corrida contra os preços de bens e serviços. A criminalidade, em geral, está controlada. Uma sólida maioria concorda com as recentes mudanças sociais - por exemplo, a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a legalização da maconha. Entre a população mais jovem, o racismo (aberto) é mais condenável que levar a mãe para a balada (e carregar a bolsa dela).

O QUE LEVOU TRUMP À CASA BRANCA?

A verdade é que um grupo grande de americanos não tem compartilhado da prosperidade dos últimos anos. São aqueles sem diploma universitário; residentes de zonas rurais ou pequenas cidades no decadente cinturão industrial; e com renda de classe média ou média baixa, mas não tão baixa a ponto de estarem qualificados para programas assistenciais.

Para essa parcela de eleitores, os ataques de Trump às minorias, aos imigrantes e às elites; as suas promessas de protecionismo comercial; e o seu discurso autoritário e nacionalista demonstram insatisfação com a classe política e demais figurões das grandes cidades do Leste e da Califórnia.

Não podemos ignorar: nas últimas décadas, mudanças tecnológicas tornaram a habilidade de alguns trabalhadores obsoletas. Quando foi a última vez que vimos uma máquina de escrever?

A abertura comercial nos Estados Unidos gerou ganhos ao consumidor (produtos mais baratos) e aos trabalhadores com diploma universitário (salários mais altos), como programadores do Vale do Silício ou bancários de Wall Street. Mas, ao mesmo tempo, expôs os trabalhadores da indústria à competição dos salários baixos de China e México.

Ou seja, o bolo aumentou, mas apenas alguns receberam a fatia maior.

COMO TRUMP PROMETE RESOLVER ISSO

Todo problema complexo tem uma solução simples e errada - e entra em cena Trump.

Enquanto ele acertou no diagnóstico da insatisfação que o levou à Casa Branca, o remédio proposto está errado. A política comercial de Trump pode ser desastrosa.

O protecionismo, solução trazida por ele, não trará os bons empregos de volta para o cinturão industrial. A abertura comercial não ajudou nesse sentido - é verdade. Mas os empregos teriam desaparecido do mesmo jeito por causa de mudanças tecnológicas.

A fábrica agora é computadorizada e robotizada. Precisa menos de operários do século 20 e mais de nerds do século 21. Se os Estados Unidos renegarem seus acordos comerciais ou se tornarem protecionistas, o resto do mundo reagirá.

Nesse caso, muitos muros serão erguidos contra os produtos americanos. E com menos comércio internacional, todas as economias sofreriam juntas.

A experiência da Grande Depressão dos anos 30 nos ensina: restrições comerciais geram retaliações. E todos saem perdendo.

ALGUM PLANO DE TRUMP PODE DAR RESULTADOS BONS?

Por ora, há alguma esperança de que promessas de tarifas sobre produtos estrangeiros não se concretizem e que, assim, Trump adote políticas menos danosas. Duas políticas entregariam o bacon para seus eleitores, mas causariam danos menores para a economia mundial: (1) regras mais restritivas de imigração e (2) um programa de investimento público em infraestrutura.

A competição com imigrantes menos qualificados de países pobres deprime os salários dos americanos sem diploma universitário. Contra esse efeito, o Canadá, por exemplo, seleciona imigrantes com base em qualificações profissionais e necessidades do mercado de trabalho local. Caso os Estados Unidos façam o mesmo, será péssimo para o camponês guatemalteco, que perderá a oportunidade de ser jardineiro em Washington. Mas a medida contribuiria para diminuir a desigualdade entre o salário de americanos menos e mais educados - ainda mais se os Estados Unidos estimularem a entrada de imigrantes melhor qualificados.

A infraestrutura americana (aeroportos, trens, estradas) mostra sinais de idade. Um programa de investimento na área seria bem-vindo. Geraria empregos na construção civil que beneficiam diretamente os americanos sem diploma universitário que o elegeram.

Como em todo grande programa de investimento, algumas obras vão ser elefantes brancos. Mas este seria um dano menor do que aquele causado por uma guerra comercial.

Ainda escreveremos bastante sobre Trump nos próximos meses e anos.

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