Folha de S. Paulo


Por que a sua vida tem um preço?

No dia a dia, colocamos isso na balança até para subir num ônibus; no SUS, cálculo é imprescindível no combate à mortalidade infantil

No filme "Perdido em Marte" (2015), o personagem do ator Matt Damon é dado como morto. Ele é deixado para trás quando colegas de uma estação espacial decidem evacuar o planeta por causa de uma tempestade destruidora.

Por sorte, o astronauta sobrevive. Depois, por meio de grande engenhosidade, resiste aos primeiros meses sozinho em solo marciano, até ser avistado por telescópios da Nasa.

Na segunda metade do filme, acompanhamos o planejamento e a execução da tentativa de resgate. Esse esforço, estima um cientista australiano, custaria na vida real a bagatela de US$ 200 bilhões —é mais que o valor de todos os bens e serviços produzidos no Brasil em um único mês!

O lugar-comum reza: a vida humana não tem preço. Mas, convenhamos, nem a presidente do fã-clube do Matt Damon gostaria de pagar um preço tão alto para trazer de volta seu ídolo.

QUANDO CALCULAMOS O 'PREÇO DA VIDA'?

Podemos até dizer, da boca para fora, que o valor de uma vida humana é infinito. Mas nossas ações mostram que não.

Quando escolhemos uma profissão, por exemplo, colocamos na balança os riscos e a remuneração prometida.

Com o mesmo salário que você recebe agora, talvez não topasse morar num lugar onde seja mais arriscado viver. Mas o que acha de R$ 1 milhão por ano na sua conta? Por essa quantia, muitos de nós faríamos nossas malas agora mesmo para Bagdá.

Olhemos agora para as escolhas de meios de transporte. Na balança, são colocados o conforto de uma ida mais curta, o preço da viagem e os riscos.

Se duas companhias de ônibus vão do Rio para São Paulo pelo mesmo preço, pesamos na escolha, por exemplo, uma reputação melhor de segurança. Agora, se a diferença de preço for grande demais e a mais barata for aquela do ônibus com pneus carecas...

Vejamos: nosso comportamento responde a um valor da vida finito, não infinito. Estimativas baseada nas decisões de trabalhadores nos Estados Unidos indicam algo na casa dos US$ 5 milhões. Como o Brasil é mais pobre que os Estados Unidos, nossas decisões, provavelmente, indicam um valor menor.

POR QUE SABER DISSO PODE SALVAR VIDAS?

Uma consequência importante diz respeito à provisão de saúde pública: assim como o resgate do viajante espacial vivido por Matt Damon nos cinemas, alguns tratamentos podem ser caros demais para valer a pena.

No Brasil, no entanto, essas decisões nem sempre são feitas por médicos nem ancoradas pelo orçamento do SUS. Às vezes, acabam nas mãos de juízes, que concedem liminares a pacientes sem levar em consideração o custo do tratamento pleiteado.

O problema: tratamentos mais caros e pouco eficientes ficam com recursos públicos que poderiam ser usados para terapias mais baratas e de eficácia garantida.

Quantas crianças pobres com disenteria podemos salvar se deixarmos o Matt Damon lá em Marte?

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