Folha de S. Paulo


Estamos nos afastando não só do desenvolvimento, mas da civilização

De país do futuro a país outra vez desarvorado quando a economia parecia parar de piorar, as únicas certezas são de que a regressão continua a passos firmes e a saída da crise, que já seria difícil e arrastada sem nenhum novo escândalo, se distancia cada vez mais.

As denúncias se acumulam, e não há surpresa diante de um sistema político em que o governante de turno forma maioria parlamentar mediante o loteamento da gestão pública entre partidos com os quais não tem a mais remota afinidade programática e se compensa carências e lacunas da economia subsidiando a atividade privada em vez de corrigi-las.

A agenda de reformas, parte aprovada no Congresso, como a revisão de regulações anacrônicas, entre elas, as regras de conteúdo nacional e o teto do gasto público, além das reformas da Previdência e da CLT, que vem, ou vinha, tramitando até com celeridade, já não é mais tão segura. Sem elas, os agouros para o Brasil são inquietantes, medonhos, pode-se dizer.

O empresário é otimista de ofício, e reconheço que as condições estruturais do Brasil são ímpares e até superiores às das novas potências que despontam nos rankings de expansão econômica, redução da pobreza e desenvolvimento tecnológico, como China e Índia.

Mas é preciso reconhecer que a crise política seriada nos afastou mais uma vez do que vinha razoavelmente em evolução, mesmo considerando algo reducionista achar que com duas a três reformas tudo se resolve.

Nossos descompassos estão em toda parte, e não só na economia, como revelam as estatísticas sobre os assassinatos no país (60 mil por ano!), sobretudo da população mais jovem. Atrasos na educação, na saúde e na tecnologia não são menos gritantes.

O tamanho da encrenca é enorme. É como se estivéssemos nos afastando não só do desenvolvimento, mas da civilização e do mundo em transformação tecnológica aguda, condenados à mediocridade pela falta de conscientização da sociedade sobre o que se faz necessário e de lideranças capazes de convencê-la.

Tome-se a Previdência. Sua reforma não é contingente, mas crucial, num mundo em que, segundo estudo do World Economic Forum, metade dos jovens nascidos em 2007, ao menos na porção mais rica, já tem a expectativa de viver até 2110, 103 anos em média!

Não há dinheiro para prover aposentadoria a tanta gente. O estudo estima um furo de US$ 400 trilhões de poupança adicional para tais aposentadorias até 2050, o triplo do PIB global. Isso só em oito países pesquisados (EUA, China, Índia, Japão, Reino Unido, Canadá, Austrália e Holanda). Por tamanho do PIB, população e demografia, o Brasil está no mesmo cenário, que será pior se não enfrentado.

Mas o nível dos debates é pífio, estamos todos ligados na próxima denúncia, olhando se Temer fica ou sai. Não há formulação para os desafios que já se colocam quanto mais para os que se avistam. Ao contrário: a agenda sofre interdições políticas, enquanto o país anda para trás nas principais dimensões.

Em 1980, nosso PIB equivalia a 28% do dos EUA e era 26% maior que o da Coreia do Sul, segundo dados do economista Armando Castelar. Já em 2020, diz o FMI, nosso PIB per capita será menos de 20% do dos EUA e 36% do coreano. E vai agravar-se, com o PIB acumulando retração de 7,5% no ultimo biênio e tendendo à estagnação neste ano. A renda per capita murchou 9,2% em dois anos. Como virar esse jogo?

O que está à frente é uma tarefa altamente complexa e muito pouco percebida pelas lideranças políticas e empresariais. Sempre é possível contar com o imponderável.

Por ora, à luz do que sabemos, é mais prudente apertar o cinto porque a crise vai demorar.


Endereço da página:

Links no texto: