Folha de S. Paulo


Não existe viés ideológico nas reformas; há, sim, necessidade

Alan Marques - 21.fev.17/Folhapress
Brasilia, DF, Brasil, 21/02/2017 O presidente Michel Temer participa da reuniao da comissao da Reforma da Previdencia, no Palacio do Planalto. Foto:Alan Marques/ Folhapress cod - 0619
Rodrigo Maia (DEM-RJ), Temer e Henrique Meirelles em reunião da comissão da reforma da Previdência

Salvo imprevistos na área política, e eles têm acontecido com alta frequência, começa a despontar o sentimento de que a recessão está amainando e o crescimento econômico não demora a brotar.

Numa situação de intensa incerteza política e profunda retração da economia, ambas iniciadas três anos atrás, é surpreendente o ritmo das transformações em tão curto espaço de tempo, considerando que o atual governo, que retomou a agenda de reformas estruturais e busca dirigir o Congresso nessa direção, acumula pouco mais de seis meses de mandato efetivo.

Nem a mais dramática recessão da história nem a extensão da ruína ética e moral das relações políticas e entre o público e o privado apuradas pela Lava Jato tolheram ações essenciais, como a limitação real do gasto público por ao menos dez anos. E sem prejuízo de prioridades sociais, como saúde e educação.

Reformas relevantes, e intricadas politicamente, como a da Previdência, em tramitação na Câmara, além da tributária em discussão, podem reaver o potencial da economia, o tempo perdido nos últimos anos e o atraso em relação ao avanço acelerado dos países emergentes.

Tome-se a China: no fim dos anos 1970, quando começam as reformas liberalizantes na economia daquele país, exportávamos mais, estávamos à frente em renda per capita e nos víamos como potência econômica até a virada do século passado. O que houve? Segundo o FMI, o PIB chinês se aproxima do dos EUA e a renda per capita passou a do Brasil.

O que fez a diferença na China, e hoje faz na Índia, onde está em curso o maior programa de modernização econômica do mundo, foram reformas para atrair capitais privados, direcionar fundos para a infraestrutura, regulação favorável à abertura de firmas, à exportação e à inovação, a indução da concorrência, e por aí vai.

Não se vai a tanto com as medidas já aprovadas ou propostas pelo governo, mas o acerto das escolhas e a disposição de enfrentar uma agenda politicamente difícil mudou a perspectiva sobre as possibilidades de o Brasil sair do atoleiro.

Medidas dessa ordem foram adotadas pela China, de partido único, e pela Índia, a maior democracia do mundo, pois fazem sentido, inclusive para a segurança social. Segundo estudo da Universidade da China, 75% da expectativa de vida é explicada pelo nível da renda per capita.

A revogação do monopólio da Petrobras no pré-sal, por exemplo, vai estimular a competição, atrair investimentos e criar empregos —fatores cruciais para o desenvolvimento. A reforma da governança das estatais, vedando a partidos indicar executivos, e os programas de demissão voluntária vão deixá-las mais fortes.

Tais medidas mofavam há anos para alegria dos lobbies do atraso. E não são poucas. Legalizaram-se recursos mantidos no exterior, com o pagamento de imposto e multa. Baixou-se medida provisória para regularização fundiária urbana e rural, capaz de tirar milhões de famílias da clandestinidade e habilitá-las à cidadania.

Retomou-se o programa de concessões, embora em ritmo lento, com a licitação de cinco aeroportos sem nenhum crédito subsidiado. A inflação tende à meta (4,5%) e até menos, abrindo espaço para a normalização dos juros e do crédito. O Congresso acaba de aprovar a terceirização em todas as atividades, importante passo na direção de uma reforma trabalhista mais profunda.

Não está tudo bem, mas estava muito pior há menos de um ano. Agora se vê alguma luz, apesar do caos político e da resistência de feudos da burocracia. A lamentar é como permitimos tanta distorção.


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