Folha de S. Paulo


Sem simplificação tributária, economia não crescerá com vigor

Alan Marques/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 13.12.2016. Sessão do Senado Federal para votar o segundo turno da PEC 55/ 2016, que trata do teto dos gastos públicos. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER
Sessão do Senado Federal para votar o segundo turno da PEC do teto dos gastos públicos

A intenção do governo de apoiar o movimento no Congresso para desatolar a reforma tributária, conforme anunciado pelo presidente Michel Temer, traz alento cauteloso à economia. Nas últimas décadas, promessas de desembaraçar o nó tributário fracassaram por não conciliar os interesses envolvidos na partilha da arrecadação entre os entes federativos e do ônus tributário entre os contribuintes.

A demora em equacionar o problema só acentua a sua urgência, conferindo-lhe legitimidade para "furar a fila" das reformas, uma vez aprovada a PEC do Teto e já encaminhada a revisão das regras da previdência.

A evolução da agenda tributária será decisiva para a retomada do PIB, pois ajudará a impulsionar o investimento, tanto de empresas já consolidadas como de empreendedores que aguardam um horizonte para levar adiante seus projetos.

Sem me estender quanto ao conteúdo, a proposta discutida na Câmara toca no ponto nevrálgico de qualquer reforma que pretenda provocar um efeito virtuoso: simplificação e unificação dos impostos indiretos, como ICMS, IPI, PIS e Cofins.

Do jeito atual, o cruzamento de impostos, alíquotas, bases tributáveis e regimes diferenciados gera uma teia enigmática, complexa e cara para as empresas. Recorro ao setor de cosméticos, em que atuo há décadas, para ilustrar o caos tributário.

O PIS/Cofins possui dois regimes, dependendo do produto. Num regime, o tributo é recolhido em todas as etapas da cadeia de produção e vendas. No outro, incide apenas na etapa de fabricação.

Outro tributo importante, o IPI tem alíquotas que vão de zero a 42%, sem justificativa técnica para tal dispersão, e duas bases de cálculo conforme o regime atribuído ao produto.

Já o ICMS, cuja apuração se baseia em variáveis como o Estado de destino e de origem e é regido por 27 legislações, uma para cada unidade da Federação, é mais assunto para a ciência das patologias mentais do que para a economia.

Mais: o regime da substituição tributária, exigida para o último elo da cadeia produtiva, é regulado por regimes especiais entre a empresa e cada fisco estadual, que determina de modo arbitrário a margem da operação e, portanto, a base de cálculo do ICMS.

Chega-se ao absurdo de um mesmo produto ter carga tributária diferente a depender do modelo escolhido para sua distribuição. Ou seja, há tratamento fiscal desigual para mercadoria absolutamente idêntica.

Resumo: todas as combinações possíveis geram para a Natura, da qual sou conselheiro, 9.450 diferentes regras para pagamento de suas obrigações fiscais. E há exemplos mais graves em outros setores.

A complexidade tributária estabeleceu uma espécie de darwinismo no universo empresarial, vitimando, sobretudo, organizações ainda sem fôlego para arcar com as obrigações exigidas pela legislação.

Inicia-se, assim, um círculo vicioso. Para compensar os estragos do emaranhado de impostos, criam-se paliativos, que por sua vez geram novas distorções e agravam a irracionalidade do sistema, com elevado custo fiscal. O Simples é um exemplo. Este caos lembra o "Samba do Crioulo Doido", de Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo do grande jornalista Sérgio Porto).

Medidas simplificadoras, como redução no número de alíquotas e sua uniformização, são possíveis e poderiam ser agilizadas. A tecnologia disponível permite iniciativas como essas sem prejuízo à arrecadação.

Isso facilitaria a vida dos contribuintes, reduziria os contenciosos judiciais e traria ânimo e segurança aos investimentos. Afinal, ninguém supõe que a burocracia e os políticos sintam prazer em atazanar a vida dos brasileiros. Ou não?


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