Folha de S. Paulo


O Brasil tem base para crescer, falta liderança política e empresarial

O ano de 2016 termina cercado de incertezas, tanto pelo imbróglio político, cujo final parece distante, quanto pela resiliência da recessão, maior do que se supunha. Nesse campo, o desempenho anêmico da indústria, o desemprego elevado e o baixo nível dos investimentos empurram o país ao pessimismo.

Embora haja motivos para desalento, não se deve perder de vista que o país mantém uma base produtiva ampla e moderna, especialmente no setor agrícola, mas também de manufaturas, sobre a qual pode ser erguida uma nova realidade econômica mais dinâmica, integrada às cadeias globais de produção e com modelos de negócios e de desenvolvimento arejados.

Nossa estrutura industrial é diversificada, menor entre as economias emergentes apenas que a da China, compatível com mercado de consumo de massa situado entre os cinco maiores do mundo. Enquanto governos, mesmo de países desenvolvidos, criam facilidades para atrair grupos estrangeiros, a maioria deles está aqui há décadas, e essa é uma oportunidade pouco explorada.

Tais empresas chegaram atraídas pelo potencial do mercado consumidor. O desafio é induzi-las a ter no Brasil também uma plataforma de exportação e de inovação.

No caminho inverso, embora sem igual intensidade, parte das empresas brasileiras internacionalizou sua atuação, embora mantendo as operações básicas no país.

Não se trata de se deixar levar pelo espírito de Pollyana, mas, sim, de aceitar uma visão não enviesada pelas dificuldades do momento –a mesma visão realista que nos impõe admitir as graves mazelas que contaminam a base da indústria.

Até hoje, o setor industrial não superou o pecado original responsável pelo seu desenvolvimento décadas atrás: o excessivo protecionismo gerado por uma política de substituição de importações compreensível à época, mas que provocou acomodação e falta de apetite para enfrentar a competição internacional.

Desse mal padece a quase totalidade do tecido industrial brasileiro. Amparadas pelas muletas do protecionismo, as empresas pouco investem em inovação, tecnologia e sistemas de gestão, ampliando o fosso que nos separa das economias avançadas e das emergentes em geral.

Temos o terreno preparado para rumar nessa direção. Segundo o Global Connectedness Index de 2016, que mostra o estágio da globalização em 140 países, o Brasil é o 11º em amplitude das relações comerciais (ou seja, negocia com quase todo o mundo), mas no quesito profundidade ocupa o 57º lugar. Em suma, cisca bastante e não cria relações estáveis e duradouras com parceiros externos.

Há uma lacuna em nossa capacidade de formular políticas exequíveis para romper a letargia. Elas, em geral, se resumem a incentivos e proteção. Toda a sociedade paga por distorções que deixam um legado de baixa produtividade e consomem recursos que poderiam estar mais bem empregados em áreas essenciais.

Tal responsabilidade não recai apenas sobre os governantes. Ela é dividida com lideranças empresariais e seus conceitos antiquados e distantes do que acontece além-mar. Várias propostas do próprio setor manufatureiro repetem fórmulas antigas e desgastadas pela ineficácia.

É hora de atacar o que emperra o desenvolvimento, utilizando os alicerces empresariais já fincados para erguer uma economia aberta, moderna e competitiva, que traga o crescimento verdadeiramente sustentado. A base está aí, faltam o projeto e a indispensável liderança política e empresarial para colocar o edifício de pé.

Resumo: temos quase tudo o que almejam os países em geral e não desfrutamos os bônus desse diferencial. Como me recuso a aceitar essa situação, torço para que 2017 seja melhor para todos nós.


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