Folha de S. Paulo


Condenação na OMC torna urgente nova política industrial para o país

Michelle Müller -13.jul.12/Folhapress
Linha de montagem de veículos no Brasil; para economista, indústria do país ficou foradas cadeias globais de produção - Linha de montagem automotiva da Renault, em São José dos Pinhais (PR). (Foto: Michele Muller). FOTO_ MICHELE MULLER 13/07/2012 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Linha de montagem de veículos no Brasil

A decisão da OMC de condenar sete programas de incentivos setoriais expôs com clareza algumas das distorções mais nocivas da política industrial dos últimos governos. Tais subsídios custam anualmente R$ 7 bilhões aos contribuintes, sem, em contrapartida, promover o crescimento.

Tome-se como exemplo o Inovar Auto, que oferece isenção de IPI à produção local de veículos, entre outros incentivos. Lançado em 2012 e válido até 2017, o programa foi decisivo para multiplicar a capacidade de produção do setor automotivo, mas pouco (ou nada) fez para estimular a competitividade nos mercados externos e gerou uma ociosidade de 50%.

A ausência de resultados que justifiquem a renúncia fiscal despertou críticas de companhias que, em tese, deles se beneficiariam. Em entrevista a esta Folha, o alemão Wolfgang Bernhard, alto executivo da Mercedes-Benz, foi taxativo ao defender o fim do protecionismo: "O Brasil precisa ter condições de competir sem subsídios".

É constrangedor que venha de fora a provocação para discutir um tema que deveria estar entre nossas prioridades há muito tempo. No mínimo, poderia ter poupado uma arrecadação que faz muita falta ao hiperdeficitário Orçamento da União.

Tais manifestações elevam ao grau máximo de urgência a construção de uma política industrial que, em vez de distribuir seletivamente bônus de proteção, persiga a modernização da economia em geral.

É uma oportunidade que, desperdiçada, perpetuará a perda de importância da indústria nos últimos anos. Hoje, o setor manufatureiro responde por pouco mais de 11% do PIB, metade do índice dos anos 1980.

A derrocada veio acompanhada de perda de empregos qualificados, de atraso tecnológico e de importante isolamento do país na economia internacional. A manufatura brasileira responde por 0,7% das exportações globais, embora represente 1,7% da indústria mundial.

O que fizemos de errado nos dá as pistas do que fazer adiante para estabelecer a política industrial de que o país precisa.

É hora de acabar com privilégios setoriais, que sofreram a dura e previsível reprimenda da OMC na semana passada. Cabe recurso ao governo, mas as chances são remotas. O julgamento final, previsto para o fim de 2017, pode implicar severas sanções às exportações do país.

Os incentivos a setores eleitos e a empresas agraciadas terão de sair de cena, substituídos por políticas horizontais em que todo o parque produtivo é beneficiado.

Outra mudança: tais políticas precisam criar um ambiente propício à expansão produtiva sem aditivos, a simplificação dos regimes tributário e trabalhista e a melhoria da infraestrutura e da educação. E mais.

Nossas empresas carecem de acesso a bens de capital e intermediários a preços internacionais, além de impulso à inovação e da retaguarda de um mercado de capitais florescente.

A sequela inerente às políticas apoiadas em proteção e subsídios é a acomodação, ao tornar a atividade empresarial dependente justamente dos remédios que deveriam curá-la de certos males.

O antídoto são regras claras de avaliação dos efeitos gerados pelos incentivos, prazos rígidos de validade e aferição transparente das obrigações dos beneficiados.

Nenhum país num mundo já quase totalmente integrado pode aspirar ao progresso com medidas isolacionistas. O Brasil precisa de ações perenes que estimulem as empresas, inclusive as estrangeiras aqui instaladas, a se capacitar para competir externamente não por causa de subsídios eventuais, mas porque essa é a melhor decisão a tomar.


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