Folha de S. Paulo


Falta uma agenda microeconômica para impulsionar o crescimento

Marcos Santos/USP Imagens
Governo aprovou uso do FGTS como garantia para crédito consignado
Reforma da Previdência será desafio, e reforma trabalhista ainda não entrou na pauta

A exitosa tramitação da PEC do Teto na Câmara dos Deputados (e tudo indica que o mesmo ritmo se repetirá no Senado) demonstrou a capacidade de articulação parlamentar do governo, imprescindível para a continuidade do ajuste fiscal.

Desafio maior virá com a PEC da Previdência, que exigirá negociações mais profundas e amplas em razão do forte impacto que terá na sociedade.

Nesse caso, o governo tem a seu favor o consenso de que é urgente controlar o galopante deficit previdenciário, especialmente do setor público. Além disso, os sinais emitidos pelo Executivo mostram unidade de propósitos e determinação em resolver questões macroeconômicas, o que contribui para angariar apoio na sociedade.

Há muito o que celebrar, enfim. Mas também há muito a lamentar.

Ainda não entraram na pauta matérias relevantes, a exemplo da inserção externa, das reformas trabalhista e tributária e do financiamento de longo prazo, prejudicado pelo baixo dinamismo do mercado de capitais decorrente do elevado endividamento público.

Em resumo, o país carece de um projeto de desenvolvimento que explicite uma agenda de ações para colocar a economia no caminho da modernidade, retomar o crescimento e promover o avanço social.

Capítulo essencial desse projeto é uma política para eliminar os entraves que sufocam a administração cotidiana dos negócios.

A reforma microeconômica é assunto nevrálgico para o futuro do país, mas que segue em banho-maria, sem evidências de que vá ser incluída no rol de prioridades nacionais.

Não basta nesse caso a manifestação de boas intenções. Para gerar confiança na iniciativa privada, a agenda microeconômica deve explicitar medidas práticas e o cronograma de sua implantação.

Boa parte dessas iniciativas depende apenas de ações do Executivo, sem a necessidade de longa tramitação no Congresso. Essa celeridade seria bem-vinda diante da necessidade de abreviar uma recessão que pode ser mais prolongada do que o previsto anteriormente.

O Brasil tem carências gigantescas nesse campo, como demonstra a nova edição do Doing Business, do Banco Mundial. Segundo o relatório, em termos de ambiente de negócios estamos distantes do grupo de elite das economias avançadas e emergentes. Entre 190 países analisados, o Brasil encontra-se só em 123º.

Nada provoca tantos danos como a operação para cumprir obrigações tributárias e regulatórias. Grandes grupos empresariais despendem dezenas de milhões de reais para acompanhar e decifrar, ano após ano, a ininterrupta sequência de mudanças no emaranhado de impostos, taxas e regulamentos.

Uma importante instituição financeira, por exemplo, apurou que a cada duas horas uma nova regra legal é editada no país.

Nesse sentido, não custa reforçar números eloquentes apresentados pelo Doing Business: enquanto nos países da OCDE as empresas consomem 163 horas com tarefas relacionadas a impostos, no Brasil são necessárias 2.038 horas –e nesse quesito estamos na lanterna solitária entre as 190 economias avaliadas.

Promover a simplificação generalizada na economia, o que inclui racionalizar a legislação tributária e trabalhista, é ingrediente imprescindível no âmbito microeconômico para induzir a produtividade empresarial e no setor público e estimular o investimento. O conserto das contas públicas, embora mandatório, não nos levará por si só a atingir esses objetivos.

Só uma visão que abrigue essas duas dimensões (a macro e a microeconomia) abrirá espaço para remover outro empecilho do desenvolvimento: a elevada taxa de juros, o sintoma mais visível do avançado quadro de deterioração da economia e da política no país. Essa é a cereja do bolo e ela não será ali colocada sem que as condições preliminares estejam estabelecidas.


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