Folha de S. Paulo


O Brasil precisa se livrar da armadilha do protecionismo

Niklas Halle'n/AFP
Boatsd decorated with flags and banners from the 'Fishing for Leave' group that are campaigning for a 'leave' vote in the EU referendum sail by the British Houses of Parliament as part of a
Barcos em Londres com bandeiras e cartazes a favor do "brexit"

O protecionismo vive um momento de ressurgimento, impulsionado pelos efeitos renitentes da crise iniciada em 2008. Um sinal forte dessa tendência foi emitido pelo "brexit", o resultado do plebiscito para a saída do Reino Unido da União Europeia.

Recentemente o movimento antiglobalização ganhou um aliado poderoso na figura polêmica de Donald Trump, cuja candidatura à Presidência dos Estados Unidos se fortaleceu na mesma proporção em que suas propostas isolacionistas se tornaram mais extremadas.

No Brasil, infelizmente uma parcela dos empresários parece seduzida pelo ideário abraçado por Donald Trump e defende, nem sempre abertamente, o protecionismo como saída para enfrentar a retração do comércio global e o consequente aumento da concorrência internacional.

Trata-se de um raciocínio distorcido. Uma economia fechada nada tem de virtuosa. Ela tem contribuído para a destruição da indústria brasileira, afastando-a da nova geração da manufatura que está em formação no mundo –e dela não vai se aproximar, a menos que esse entendimento seja removido.

O isolacionismo leva ainda ao comodismo e à baixa competitividade, gerando novas demandas protecionistas, já que sem barreiras comerciais não é possível concorrer com outras nações, segundo essa linha de pensamento.

Assim, protecionismo gera mais protecionismo, num círculo vicioso danoso ao desenvolvimento, pois limita o crescimento econômico e a criação de empregos.

Sempre haverá argumentos defensáveis, mas apenas na aparência. Ora são os preços artificialmente baixos dos produtos chineses; ora o excesso de estoques globais, que leva ao dumping. E por aí vai.

Ou seja, nunca chega o momento de arejar as práticas empresariais por meio da maior inserção na economia global. Até filiais brasileiras de multinacionais estão voltadas, com raras exceções, apenas ao mercado interno.

É estranho que líderes empresariais e mesmo ministros se digam convictos de que a economia brasileira tenha abertura suficiente. Os números se chocam com essa visão.

Uma das maiores economias do mundo, o Brasil amarga a 25ª colocação no ranking global de exportações, com participação de 1,1% do total mundial. Em bens industriais a situação é ainda pior: estamos na 32ª posição e temos uma participação nas exportações mundiais de apenas 0,6%.

O Brasil não apenas vende pouco para fora, mas também compra muito menos do que o recomendável. Segundo recente trabalho de Edmar Bacha, o país importa o equivalente a 14% de seu PIB (Produto Interno Bruto), o terceiro pior resultado entre 160 países listados pelo Banco Mundial, atrás de Nigéria e Sudão.

O pouco apetite pela importação impede o acesso a bens de capital e insumos de tecnologia mais avançada e de menor custo, comprometendo a inovação e a competitividade da economia.

A resistência a mudanças nesse quadro requer cuidados para afastar temores infundados em relação a uma necessária abertura econômica inteligente e programada.

No estudo já citado, Bacha propôs uma política de comércio exterior que busca amenizar a oposição à abertura econômica.

Ela se apoia em três pilares, que seriam adotados de forma gradual e simultânea: redução do custo Brasil, acordos comerciais com parceiros estratégicos e cortes das tarifas de importação compensados por depreciação cambial.

A meu ver, nada impede que desde já sejam dados passos decisivos para a aproximação com os grandes mercados internacionais e que sejam programadas etapas para a redução tarifária, com poucos níveis de alíquotas. Tais definições induziriam o setor empresarial a se adaptar à nova realidade.

Não promover essa guinada na política de comércio exterior pode agradar aos adeptos da doutrina Trump, mas não contribui em nada para livrar o país da armadilha do atraso na qual o protecionismo o aprisiona há décadas.


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