Folha de S. Paulo


Primeiro passo para ajustar as contas públicas é respeitar a Constituição

Renato Costa/FramePhoto/Folhapress
Sessão do Congresso Nacional, sob o comando de seu presidente, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), para votação de vetos presidenciais e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017
Sessão do Congresso para votação de vetos presidenciais e da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017

Com o fim da Olimpíada e do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, que se arrasta mais que o razoável, não há mais distrações para desviar a atenção, apenas a realidade da recessão e do Estado desajustado.

A agenda legislativa proposta pelo governo de Michel Temer traz em destaque o limite da expansão dos gastos públicos à inflação do ano anterior (com a previsão de ser votada no Congresso ainda em 2016) e a reforma da Previdência. E isso, por maior que seja a polêmica, é só o começo para desatar os nós que asfixiam o desenvolvimento.

A verdade é que tudo o que se anuncia para reparar a solvência das contas do governo, principal obstáculo do crescimento sustentado, já foi legislado alguma vez, a começar pela Constituição. Só que não foi implantado ou caiu em desuso.

Deficit orçamentários, por exemplo, seriam eventos raríssimos, se a Constituição fosse seguida ao pé da letra. Por não ser, o Congresso aprovou em 2000 um reforço com a chamada Lei de Responsabilidade
Fiscal. E deu no quê?

Noutro fracasso, tanto que 16 anos depois dessa lei está em debate a PEC do Teto, que é mais um dispositivo constitucional para tentar conter a compulsão dos governantes em resolver demandas meritórias ou não ampliando os gastos —de aumentos salariais do funcionalismo (cujos vencimentos em média excedem os do setor privado) às mazelas da saúde e educação. A PEC do Teto é necessária. Mas vai funcionar?

Em todos esses anos o que mais se fala e menos se faz é gestão por resultado. Não há processos transparentes, com raras exceções, para monitorar a eficácia dos programas e das políticas de governo. Além disso, perpetua-se uma miríade de subvenções e desonerações caracterizadas pelo baixo retorno em relação ao vulto das renúncias de receitas.

Em geral, os gastos na lei orçamentária de um ano são replicados para o ano seguinte e somados à inflação projetada ou vinculados a percentuais da receita. Não há o cotejo entre as sempre múltiplas prioridades.

É assim que a dívida pública avançou de 29,5% do PIB em 1995 para 74% neste ano, podendo chegar a 80% em 2017, enquanto, no mesmo tempo, a carga tributária aumentou de 26% do PIB para 34%, sem que estejam claramente identificados os benefícios econômicos e sociais dessa escalada fiscal.

É assim também que se chegou a situações bizarras como a de todo o aparato da Justiça do Trabalho no país custar tanto quanto o total de verbas rescisórias pagas em juízo, cerca de R$ 17 bilhões no ano passado, e crescendo, de modo que logo vamos estar diante da típica situação simbolizada pela imagem do rabo balançando o cachorro.

Nesta realidade distorcida em que vive o setor público brasileiro, a burocracia, que já desfruta de emprego garantido, pede e consegue aumentos salariais precisamente dos mesmos poderes que propõem congelar a expansão real do gasto fiscal durante 20 anos, além de uma cruzada pela simplificação das normas regulatórias, da legislação trabalhista e do sistema tributário.

E tudo vai se agravando ainda mais diante do histórico de governantes fracos, nos anos recentes, frente às pressões dos lobbies organizados.

A agenda da limitação fiscal e da simplificação é boa. Mas a convicção sobre suas intenções dá margem a dúvidas, dado o precedente de medidas anunciadas no passado com o mesmo propósito e logo relegadas. Elas vão se sobrepondo umas às outras até a próxima crise, quando aparece outra PEC redentora —e segue o baile. É necessário mais que um teto para a casa não cair.


Endereço da página: