Folha de S. Paulo


Não dá para relaxar

Como carta de intenções, as primeiras medidas lançadas pela equipe econômica do novo governo, apesar de desacompanhadas dos detalhes, foram alentadoras, ao sugerir compromisso com a disciplina fiscal.

Falta a etapa decisiva no Congresso, já que parte relevante do que há por fazer para recuperar as contas públicas, cujos deficit são a causa do desconcerto da economia, exige emendas à Constituição –atos que requerem 3/5 dos votos dos deputados (308) e dos senadores (49) em dois turnos. É um desafio e tanto.

A intenção do plano econômico do governo por enquanto interino se clareou, mas a rigor pouco se fez em termos práticos para melhorar a confiança na condução da economia, afora a boa receptividade dos nomeados para liderar a Fazenda e o Banco Central e a aprovação do Congresso à revisão do saldo fiscal do ano para um deficit de até R$ 170,5 bilhões (ou -2,75% do PIB), representando uma enorme folga de R$ 74 bilhões acima da revisão pedida pelo governo anterior.

Convenhamos que a permissão para executar um deficit maior, ainda que em nome da transparência depois de um tempo de contas públicas embonecadas e das pedaladas fiscais entre o Tesouro e os bancos estatais, não é medida para comemorar enquanto não soubermos o que foi considerado na composição dessa dinheirama.

Está em curso no Congresso um movimento para aprovar, sem demora, aumentos de salários de servidores do Judiciário, da Câmara e do Senado e de categorias do Executivo, que estavam em segundo plano, indiferente ao fato de que a recessão —agravada pelo descontrole das contas do governo— vai ceifando os empregos no setor privado.

Num momento de dificuldade extrema do país, enfiado numa recessão medonha, em que faltam recursos para saúde, os governos regionais mal conseguem honrar a folha de seus funcionários, há questões que nem deveriam ser colocadas.

Embora o quadro da economia no primeiro trimestre pareça indicar que o fundo do poço esteja próximo, fato é que houve uma queda de 5,4% sobre igual período de 2015 e de 0,3% na margem. A queda continua. O ritmo é que ficou um pouco menor.

A realidade ainda é muito dolorosa para o governo relaxar, já que, de fato, o problema do deficit previdenciário, dos gastos correndo à frente da receita tributária, de mais de dois terços dos recursos financeiros do país ser sugados pela dívida federal, inflando juros ainda recordes no mundo, nada disso saiu do lugar.

Para resolvê-los é que o governo armou um ministério em que se encontram todos os partidos que romperam com a gestão passada ou estavam na oposição.

Esse semiparlamentarismo, como disse o presidente interino, Michel Temer, está convocado a dar provas de que não caminhamos sobre gelo fino, cessando a insegurança política a despeito dos desdobramentos da Lava Jato e da necessidade de agilidade tanto do Congresso como do Judiciário. A situação econômica e suas sequelas, cada vez mais dramáticas, é que recomendam celeridade.

O PIB se encontra num nível 7,1% inferior ao seu pico, registrado no primeiro trimestre de 2014, e apenas 0,5% acima do fim de 2010. O consumo diminui há cinco trimestres seguidos e o investimento vem em queda há 30 meses, com uma perda de 17,6% sobre o final de 2010.

Essa realidade cobra celeridade do governo e de sua base de apoio. É melhor comprar já as brigas importantes, como o teto para a expansão dos gastos públicos, do que o governo ficar sitiado e dissipar a boa vontade relativa que ainda encontra no país. Hoje, cada dia que vai é como um ano que se foi.


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