Folha de S. Paulo


Mais coerência

Os primeiros sinais do governo interino de Michel Temer, especialmente no campo da economia, já representam um salto de qualidade em relação ao cenário de profunda deterioração econômica e das relações políticas e sociais no país.

Ainda falta anunciar medidas concretas que façam frente aos colossais desafios impostos pelo período de descaso fiscal, decisões equivocadas, desvios políticos e gestão letárgica que nocautearam a atividade econômica, resultando numa das mais profundas recessões de nossa história, talvez a maior.

A nova equipe responsável pela condução da economia anunciou alguns importantes princípios que podem reverter as expectativas negativas da sociedade e começar a restaurar a confiança que se esvaiu entre os agentes econômicos.

Seja pela experiência de seus membros, seja pelo currículo de bons resultados em outras situações de crise, o núcleo econômico que acaba de se formar acena com uma identidade de pensamento e capacidade de decisão poucas vezes vista na execução da política econômica de governos recentes.

Trata-se de um passo imprescindível para enfrentar problemas que exigem providências emergenciais e dar sustentação a um governo ainda em fase de afirmação.

Sem o mínimo de harmonia, não será possível encaminhar soluções para os males que afligem nossa economia. Nesse sentido, parece coerente levar para o âmbito do Ministério da Fazenda a responsabilidade pela formulação de políticas que nortearão a Previdência Social, de forma a reverter o rombo galopante que empurra o sistema rumo à inviabilidade financeira.

É também um sinal de que há plena consciência de que só com a interrupção do processo de deterioração das contas públicas serão estabelecidas as condições para a retomada do desenvolvimento.

Isso pavimentará o caminho para outras medidas que, a julgar por suas primeiras manifestações, compõem o receituário da equipe econômica ora em formação e que já abordei neste espaço. Entre elas, a promoção de um processo de modernização da economia, com a abertura de mercado e outra estratégia para deslanchar o comércio exterior, com o objetivo de integrar o país à economia global.

Nesse sentido, a decisão de subordinar o centro de decisão do comércio exterior à Presidência revela uma disposição de redefinir prioridades –disposição essa que deverá vir acompanhada de ações práticas ainda não conhecidas.

O mesmo princípio foi adotado para o programa de concessões em infraestrutura, peça essencial do conjunto de esforços para dotar a economia da competitividade necessária à busca de inserção global.

Implantadas com eficiência e determinação, tais iniciativas podem constituir-se num salto de qualidade na condução da economia. A mesma clareza de objetivos e harmonia de propósitos precisa também ser estendida a outros temas estratégicos para o futuro do país. Entre eles, são absolutamente decisivas a educação e a saúde.

Tais áreas formam a espinha dorsal capaz de sustentar a transformação indispensável para a redução substantiva da desigualdade social. A rede de proteção montada nos últimos anos cumpriu papel relevante e pode ser aprimorada, principalmente neste momento de retração econômica, mas não é suficiente, por si só, para garantir a sustentabilidade do avanço social que desejamos.

A crise que ganhou contornos severos a partir de 2014 contribuiu para estabelecer o consenso em torno das soluções a serem imediatamente aplicadas nesse campo.

Cabe a nós agora construir um consenso semelhante em relação à saúde e à educação, áreas em que cresce de maneira assustadora o deficit de qualidade dos serviços e que carecem de políticas inovadoras capazes de colocar a população em primeiro lugar, enfrentando com coragem o corporativismo da máquina estatal.


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