Folha de S. Paulo


Sinais de modernidade

O endereçamento dos grandes problemas estruturais do país começa a voltar à pauta, impulsionado pela definição do programa e da equipe do provável governo de Michel Temer. Relegados à Série D das prioridades nos últimos anos, esses problemas só fizeram agravar-se com a falta de solução, acentuando os efeitos deletérios para a sociedade.

Assim, considero alentadora a retomada da discussão de temas como do deficit da Previdência e da perda de importância da indústria na formação da riqueza nacional.

Entre tantas questões negligenciadas, duas são merecedoras de atenção especial tanto pelo potencial de recolocar o país no caminho da modernidade quanto de promover a expansão da economia e criar empregos de qualidade.

A primeira reside numa nova configuração do comércio exterior, o que pode incentivar as condições para o país readquirir participação relevante no cenário internacional e se inserir nas cadeias produtivas globais.

Tal iniciativa pressupõe abertura econômica sem delongas, levando nossas tarifas de importação em direção ao padrão internacional e revisando os exageros nos incentivos ao conteúdo nacional.

Importante também é cumprir rigorosamente os prazos preestabelecidos, dando às empresas a dimensão da urgência para rever seus modelos de negócios, processos e a qualidade da logística de distribuição, além da atualização tecnológica.

É imprescindível, nessa estratégia, a aproximação com os grandes blocos comerciais. Isso, é claro, implica outro encaminhamento ao Mercosul, cujo formato se esgotou, transformando-se num entrave para os interesses da geoeconomia do Brasil. O momento é propício a essa revisão, já que o presidente da Argentina, Mauricio Macri, manifestou desejo de redefinir o acordo que rege a relação entre os membros do bloco.

Esses movimentos exigem muita habilidade diplomática e comercial, o que tornaria oportuna a união de esforços entre diversas áreas do governo no sentido de buscar uma atuação mais assertiva nesse campo.

Assim, seria positiva a participação ativa do Ministério das Relações Exteriores, cuja rede de consulados e embaixadas é subutilizada, desperdiçando a capacitação de seus profissionais nas negociações internacionais e na prospecção de oportunidades, que se somariam às iniciativas de outras instâncias do governo na área de comércio exterior.

Não se pode também minimizar a inserção internacional como vetor para o aumento da produtividade, essencial ao desenvolvimento.

Outra vertente necessária à modernização da economia, e sem a qual a integração ao mercado externo não se realizará em sua plenitude, é a retomada das concessões de infraestrutura, paralisadas pela falta de liderança capaz de superar as limitações ideológicas, o despreparo das burocracias e a excessiva ingerência na fixação das taxas de retorno dos investidores.

A criação de uma estrutura diretamente ligada à Presidência da República, como se cogita, pode ajudar a remover esses e outros empecilhos, como as trocas de favores políticos, e acelerar as decisões sem prejuízo dos marcos regulatórios.

A conquista de competitividade pelas empresas brasileiras depende de avanços como esses, que ainda serão, por mais importante que sejam, um pequeno passo na longa evolução para chegarmos a ser uma nação desenvolvida.

O governo não tem dinheiro para honrar sequer os gastos correntes. Portanto, não se deve iludir (nem iludir a sociedade) que possa bancar investimentos bilionários sem a colaboração do capital privado. Um amplo programa de concessões, juntamente com uma ativa política de comércio exterior e um corajoso ajuste fiscal, ajudará a modernizar a economia e a retomada do desenvolvimento. E devolverá a esperança e a confiança, sem as quais não se faz uma nação.


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