Folha de S. Paulo


Beco com saída

O país entrou num período confuso, misturando impasses econômicos e impasses políticos, pouco importando agora a precedência de tais eventos, e só vai conseguir evadir-se da espiral depressiva em que se encontra se houver saídas para ambos os impasses.

O denominador comum à solução das crises econômica e política é a retomada da normalidade, o que implica, para começar, um mínimo de governabilidade no âmbito do Executivo e coesão política reformista no plano do Congresso. Tais condições resumem o que, se não é o fim da crise, certamente é o necessário para começar a resolvê-la.

Mudar o que está aí, começando pelo nó político, é o único caminho possível a quem quer que ocupe a cabine de comando do governo. Nessa equação, o anseio por mudanças é o elemento manifesto em alto e bom som pela sociedade. A questão é por onde começar esse processo.

O governo optou por trazer o ex-presidente Lula para a Casa Civil, cuja nomeação depende de confirmação pelo STF. Como virtual primeiro-ministro e dono da agenda política, ele foi investido de plenos poderes, recebendo até o estranhíssimo comando do PAC, sigla do programa de infraestrutura, remanejado para a Casa Civil.

Fala-se, alternativamente, de uma assessoria especial com autoridade delegada jamais praticada nesta República. Qual será a verdadeira motivação de tamanha transferência de poder?

Já a oposição acelerou a tramitação do processo de impeachment na Câmara, depois de o STF ratificar o rito processante e o movimento ganhar fôlego com o fim do sigilo pela Operação Lava Jato do inquérito contra o ex-presidente, incluindo áudios de conversas embaraçosas, além dos protestos de milhões de brasileiros contrários ao PT no domingo, dia 13.

Dessas duas posições, entendo que algumas coisas são consensuais. A primeira: o Brasil demonstra que não cai mais no discurso velho de velhas lideranças. Não se enfrentam crises com o vulto da que vivemos nem incitando divisões nem vendo anomalias na ação da Justiça com a plenitude do Estado de Direito.

O segundo é a repulsa aos arranjos espúrios entre partidos e grupos econômicos a pretexto de assegurar governabilidade a governantes sem maioria parlamentar.

Não é sonhar alto, suponho, que a saída da crise se faça em torno de um programa de ação, e não pela partilha do poder entre partidos, vários sem afinidade programática, e da reforma política, incluindo o sistema eleitoral e a organização partidária.

Partidos que não representam nada nem ninguém, suplentes ungidos ao Senado sem um mísero voto, diretores e conselheiros de agências regulatórias e de empresas e bancos estatais indicados por políticos são outras distorções inaceitáveis.

Um terceiro princípio envolve as finanças públicas –a causa maior do colapso do crescimento econômico que ameaça os avanços sociais e a retomada do desenvolvimento.

Não há como manter um padrão de gasto público que cresce à frente da arrecadação mesmo em tempos de recessão, como agora. O país não carece de mais imposto, mas de governança que impeça no nascedouro programas irrealistas e subsídios e desonerações sem contrapartida de resultados e prazo para acabar. A persistirem arroubos desenvolvimentistas, o que há pela frente é até temerário cogitar. Seria o beco sem saída.

O cenário atual é difícil, mas há soluções razoáveis em discussão. Mantido o amplo respeito à soberania do Judiciário e do Legislativo, não há por que não sermos otimistas com o Brasil. As ruas refletem o desejo de mudança e a aversão à retórica populista de líderes parados no tempo, sem propostas que enderecem a solução dos problemas. O novo é a esperança contra o atraso que está aí.


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