Folha de S. Paulo


Um gesto de realismo

Os mais recentes acontecimentos no âmbito da Operação Lava Jato colocaram um sentido de urgência absoluta na solução da crise política que dizima a economia e promete nos levar a um estado além da recessão, ou seja, à depressão. As consequências tornam-se imprevisíveis, inclusive nas relações sociais, que começam a esgarçar.

Somente uma ampla recomposição política reverterá o quadro alarmante que se desenha nos últimos dias. E, sem a renúncia da presidente Dilma Rousseff, não há possibilidade de construção de um mínimo consenso em torno de medidas urgentes para estancar o esfacelamento político e econômico em curso. Esse é o caminho mais breve, menos traumático e mais seguro para a democracia brasileira.

O Brasil não pode esperar mais por outras soluções igualmente constitucionais, como o processo de impeachment ou as eleições gerais em 2018. Não se trata com a renúncia de admitir como verdadeiras as acusações que atingem atualmente a Presidência da República –esse papel cabe à Justiça.

O que deveria mover a presidente é a inconteste falta de condições políticas para conduzir o país neste momento de desafios extremos, tanto no âmbito institucional como no cenário econômico já arruinado por uma das piores recessões da história.

A presidente teve tempo em seu primeiro mandato para corrigir os erros de política econômica que vinham do passado, mas o consumiu com novos enganos, especialmente ao não saber ou não querer ajustar o gasto público às receitas tributárias, além de tumultuar com mudanças atabalhoadas o regime regulatório de setores como o de energia elétrica, de óleo e gás e de etanol.

As condições para a reversão não mais lhe favorecem e ficam cada vez menos propícias. Assim, a renúncia não seria um fim em si mesmo, e sim um gesto de realismo que representaria o passo inicial para tirar o país do imobilismo em que se meteu devido ao vazio de liderança e da falta de credibilidade do governo.

Qualquer saída que não seja essa só dará sobrevida à situação de inoperância do governo que o faz aproximar-se novamente de políticas, principalmente na área econômica, que já se revelaram equivocadas.

Hoje, as energias do Planalto estão direcionadas para temas que não tocam nas questões mais prementes, a começar pela crise econômica. Como a barragem de detritos que se rompeu em Mariana, traçando um curso de destruição rio abaixo, a desdita econômica, associada com o rompimento dos limites da ética e da moral na gestão pública e na política, só tem produzido destruição.

A retração de 3,8% do PIB em 2015 foi o pior resultado desde 1990, devolvendo a economia ao patamar em que se encontrava quando Dilma se elegeu presidente.

O investimento está em queda há dez trimestres consecutivos; a indústria recua há sete trimestres; a inflação se descolou da meta de 4,5% em 2010 e não mais se aprumou; as demissões líquidas atingem 100 mil ao mês, em média.

Se isso não fosse suficiente, outras variáveis podem deteriorar ainda mais o ambiente negativo. Nas próximas semanas, a crise que ora se manifesta com força, sobretudo no âmbito do Executivo, poderá chegar ao Legislativo com a divulgação dos nomes de parlamentares supostamente envolvidos, segundo investigações da força-tarefa da Lava Jato, em operações ilegais na Petrobras.

Além disso, o país convive com o risco de convulsões sociais, seja pelo aumento do desemprego e ausência de perspectivas positivas, seja pelo incitamento por parte dos pescadores de águas turvas.

Nesse contexto, o tempo urge. O quadro é mais feio do que pensávamos, e as fontes de instabilidade parecem inesgotáveis. Se as crises plantam a semente de sua redenção, está nas mãos da presidente tomar a única atitude que pode desencadear o processo saneador, devolvendo aos brasileiros parte da esperança perdida nos últimos tempos.


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