Folha de S. Paulo


Atitudes têm valor

Com muito atraso e depois de a economia embarcar numa das maiores recessões da história, o governo encampou a necessidade de reformar a Previdência e definir limites para a expansão do gasto público, sugerindo disposição de retomar a agenda reformista que já se fazia essencial quando foi abandonada no meio da década passada.

Teria sido mais fácil lidar com os temas que explicam a maioria de nossos problemas, basicamente concentrados no gigantismo do Estado, quando os ventos a favor dos negócios pelo mundo inflavam no Brasil o emprego e a renda e amainavam a inflação, enquanto os preços das commodities de exportação quebravam todos os recordes lá fora.

Hoje, tudo é mais difícil e exige maiores sacrifícios, mas até por isso se consolida a percepção de que já se perdeu tempo demais, não há solução mágica, e adiar o que há por fazer, especialmente com as políticas e programas que levam o gasto público a avançar à frente do crescimento da renda, nos condena a um longo retrocesso.

O juízo sobre tal situação é razoavelmente consensual, mas o senso de urgência sobre as reformas e sua implantação ainda é baixo, como se fosse possível a alguém que levasse um tombo se reerguer puxando os fios do cabelo. Por ora há intenções, não projetos acabados.

A recuperação do crescimento de modo perene não é tarefa apenas do governo, envolve também o Congresso, mas, sobretudo, depende do que se tornou imprescindível depois de tanta frustração: a confiança e o apoio do setor privado empresarial, que é quem responde pela maior fatia da produção, dos empregos, dos impostos, das exportações e do investimento, o último elo da cadeia do desenvolvimento.

Algumas premissas deveriam ficar explicitadas de modo claro, o que, a meu ver, não está. Pelo lado positivo, é mais fácil dizer o que nos anima: o tamanho do mercado, a grande variedade de recursos naturais e a população ainda relativamente jovem e motivada, entre outros fatores.

Pelo lado negativo, há duas urgências: a mudança de um regime fiscal em que a receita tributária nunca alcança o gasto e a superação do conflito político, pontuado por escândalos, sem o que dificilmente se terá coesão para tirar a economia do abismo.

A três anos de a sociedade voltar a manifestar suas preferências eletivas, não dá para não fazer nada até lá. A demora das decisões em meio a situações de estresse, pioradas pelo dissenso na própria base do governo, tende a agravar o que já é intricado. Se não se articular um novo consenso no país, e logo, as piores projeções sobre a economia se tornarão realidade.

É promissora, nesse sentido, a nova atitude do governo para lidar com o grave problema fiscal. Mas é impróprio falar da CPMF sem que se tenha antes um exame criterio- so dos programas públicos e sem que se desarme a indexação de quase 80% dos gastos federais e regionais à inflação.

É o que incha os deficit, a dívida pública e os juros. Também não é, a nosso ver, o momento de propor banda de variação para a meta fiscal se o que está em causa é a capacidade de o governo trabalhar sem deficit primário. Confiança não é um conceito elástico para arriscar o que já não existe.

Se houver esse passo à frente, não se deve subestimar uma melhora condicionada do ambiente econômico. É o que se vê na Argentina do presidente Mauricio Macri.

Por enquanto, não há garantia de que a política econômica do novo governo irá trazer de volta o crescimento em bases sólidas, mas, com um mês na cadeira principal da Casa Rosada, Macri já conseguiu apenas com atitudes reverter o pessimismo dos argentinos e atrair a atenção dos investidores de todo o mundo.


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