Folha de S. Paulo


Ajuste que não custa dinheiro

Em meio à crise política que alimenta a contração da atividade econômica, e vice-versa, o país precisa de ações que tragam alento ao ambiente de negócios, tornando-o mais favorável aos investimentos e à retomada do crescimento.

A injeção de ânimo não virá do Estado, cujas contas se encontram em pandarecos. Nem do setor privado, que enfrenta recuo forte da demanda por bens e serviços e aumento de custos. Não obstante, a paralisia revela o que há de mais preocupante em nossa atual conjuntura: a falta de empenho e conceitos do governo no enfrentamento de problemas cuja solução depende somente dele.

Não há razão, por exemplo, para a manutenção de barreiras que pressionam os custos das empresas, derrubam a produtividade, comprometem a competitividade e atrapalham o cotidiano das pessoas.

É o caso do conjunto de leis e normas no qual está enredado o mundo corporativo e toda a sociedade. Mais assustadora é a capacidade de multiplicação desse emaranhado, com o surgimento de regras de todos os tipos e mais variados propósitos. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, desde 1988 foram editados mais de 5,2 milhões de decretos, leis, portarias, etc., o que significa espantosas 750 novas normas a cada dia.

É difícil aceitar a inapetência dos governantes e legisladores em desmontar mostrengos que atazanam os brasileiros com burocracias desnecessárias e que encarecem os custos em geral. Simplificar, no mais das vezes, não exige investimentos vultosos nem depende de tramitação no Congresso. Exige atitude.

A falta de iniciativa nesse campo pode ser explicada ou pela simples inoperância das autoridades ou pela incompreensão sobre o impacto positivo da desburocratização para a economia e a sociedade.

Esse é um ambiente propício à cultura do litígio que se instalou nas relações sociais. O país paga um preço alto. Estudo do professor Luciano Da Ros, da UFRGS, apurou que se gasta 1,8% do PIB com o sistema de Justiça, que inclui Poder Judiciário, Ministério Público e defensorias públicas. É o mais alto custo do mundo. Na França, é de 0,2% do PIB, na Alemanha, de 0,35%.

A instabilidade gerada pelas constantes mudanças nas regras do jogo é reforçada por uma malha tributária quase indecifrável. Tomo como exemplo o setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, que conheço diretamente. Só de IPI há nove diferentes alíquotas determinadas por aspectos como "essencialidade" dos produtos, conceito já superado, incompreensível para os consumidores e, acreditem, inexplicável na maior parte das vezes pelos técnicos da Receita Federal.

Por que tratar tributariamente setores e produtos similares de forma tão distinta? A quem interessa tamanha confusão, se nesse caso basta um decreto do Ministro da Fazenda para resolver a barafunda do IPI no nosso país?

Somem-se 27 diferentes legislações do ICMS e os demais impostos federais, estaduais e municipais e se terá um retrato do que significa gestão tributária no Brasil.

Como se não bastasse, a crescente necessidade de receitas pelos estados tem levado ao aumento da carga fiscal e a mudanças na legislação que a tornam ainda mais complexa. É desejável evitar a oneração da carga tributária, como a eventual ressurreição da CPMF, e, sempre que possível, propor caminhos para reduzi-la.

Mas a simplificação da burocracia e da estrutura tributária já sinalizaria a direção do país que queremos, além de representar um ajuste que não pressiona o combalido Tesouro Nacional e promove certo alívio até que o equacionamento da crise política nos devolva a confiança perdida. O que os governantes e legisladores estão esperando para agir?


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