Folha de S. Paulo


Realidade ampliada

Não é segredo que os resultados econômicos de 2015 foram muito ruins. O Orçamento primário, por exemplo, completou dois anos de deficit, algo inédito desde a reforma monetária de 1994.

Como a matriz dos problemas da economia está no desequilíbrio das contas públicas, o repetido revés nessa área impôs um tombo extraordinário no investimento, no emprego e na renda, abalando a confiança de empresários e consumidores. A queda do PIB, que provavelmente passou de 3,5% em 2015, somente encontra paralelo na história recente em 1981 e 1990.

A retração econômica começou em meados de 2014 e já estava em curso na campanha eleitoral, sem, no entanto, ter suscitado debate eficaz sobre a política econômica, seja pela avaliação fantasiosa da realidade propagada pela situação, seja pela falta de contundência das oposições em seus diagnósticos.

Ficou nas mãos dos artífices do retrocesso no qual nos encontramos a tarefa de repor a retomada da agenda de reformas (previdenciária, trabalhista, fiscal etc.), a adoção de medidas reparadoras das contas fiscais, com o corte de programas não essenciais, e o desmonte da indexação generalizada e da vinculação dos gastos públicos.

Nada se fez para diminuir o tamanho do Estado ou para melhorar a eficiência do setor público. Ficou apenas na promessa a consolidação fiscal indispensável para reduzir o endividamento público. Sem tais ações, a economia repetirá em 2016 o fracasso de 2015.

E não só a economia. Do escândalo da Lava Jato ao estouro da barragem de minérios no Rio Doce, passando pela emergência de novas doenças do mosquito Aedes Aegypti, o ano que passou expôs a realidade ampliada dos problemas nacionais.

Só sairemos do impasse com medidas realistas, como tem sido o ajuste tarifário e cambial. Ambos estão desfazendo quase uma década de subsídios que estouraram com o caixa da Petrobras e das empresas elétricas, além de levar as indústrias, as exportações e as contas externas à anemia devido à prolongada valorização do real.

Tais medidas engrossam a inflação num primeiro momento. Mas estão criando as condições para o retorno dos investimentos em atividades importantes da economia e já implicam a redução do deficit externo e o fomento à exportação.

O colapso das contas públicas também desperta no meio empresarial, na sociedade e entre os políticos a consciência de que só a solução dos problemas estruturais fará o país voltar a crescer. Vão se formando consensos importantes. Um deles é o de que a integração com a economia global favorece a inovação e a produtividade, dois componentes essenciais para a riqueza das nações.

É crescente também a percepção no setor privado de que os subsídios de juros, as desonerações tributárias e o protecionismo configuram ganhos ilusórios, se estendidos no tempo, mais servindo para encobrir ineficiências que induzir os avanços empresariais.

Tenho esperança de que as contas públicas serão tratadas com maior zelo, inclusive pelo Congresso Nacional, que é a instância fiscalizadora dos atos do governo. E que "criatividade", "maquilagem" e "pedaladas", esses tristes neologismos das contas nacionais, sejam julgadas como realmente são: irresponsabilidades que não dignificam o Brasil e os brasileiros.

Esse será o curso natural da crescente aceitação no debate econômico da imperiosa necessidade de que os resultados das políticas públicas sejam sistematicamente auditados, avaliados e divulgados. Quando e se todas essas transformações se tornarem realidade, poderemos festejar o ano que se vai e desejar feliz ano novo não como um chavão da época, mas como compromisso.


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