Folha de S. Paulo


O ruim pode ficar pior

É do perfil de um engenheiro, mesmo que tenha se desligado das atividades típicas da profissão, procurar soluções concretas para os problemas com que se defronta. Eu me enquadro nesse feitio, ainda que o problema em pauta seja o da combalida economia brasileira. Mais grave: na atual conjuntura, a matriz dos impasses já se deslocou do campo propriamente econômico para a seara política.

Não saberia dizer se a saída para a paralisia política em que mergulhamos será alcançada com a clara demonstração da gravidade das repercussões da recessão sobre a sociedade. Creio que sim e compete a todos nós mostrar os fatos como eles são para, dessa forma, motivar os segmentos políticos que nos representam a encontrar as soluções.

É possível que estejamos a caminho de um segundo ano de regressão econômica tão grave quanto está sendo em 2015. Nessas condições, será inevitável o rebaixamento da condição de bom pagador do Brasil por todas as principais agências internacionais avaliadoras de risco de crédito.

Como deve ser do conhecimento dos líderes políticos, os estragos da crise sobre a produção, o emprego, a renda e a riqueza privada já são significativos e não serão facilmente reparados. Pior ainda é que tais danos estão prestes a se repetir. Como as "gorduras" que parte das empresas e das famílias acumulou no passado já foram consumidas, não haverá reservas para compensar dificuldades de igual calibre em 2016.

Levantamento da Serasa revela que em agosto metade das 8 milhões de empresas acompanhadas pela entidade se deparava com alguma inadimplência. No caso de pessoas físicas, 57 milhões tinham contas em atraso, quase 40% dos 140 milhões de brasileiros adultos. São sinais claros de que mais um ano de recessão abalará seriamente a situação financeira das empresas e famílias.

Um desdobramento provável é que, diante de uma maior inadimplência, o crédito sofra interrupção ainda mais generalizada do que vem ocorrendo. Nessa hipótese, produção e emprego entrarão em queda livre.

Se nada for feito, as condições já precárias das finanças públicas se tornarão dramáticas. Isso vale para todos os níveis de governo, em especial a Estados e municípios, que já começam a atrasar pagamentos a fornecedores e a fazer malabarismo para honrar a folha do funcionalismo, aprofundando a retração das economias locais.

Devido à crise fiscal, os contribuintes estão sendo submetidos a uma enorme pressão dos governos na busca de aumentar a arrecadação a qualquer custo. Não tardará para que as empresas, forçadas a proteger minimamente seus balanços, repassem o aumento de custos tributários aos preços, engrossando o caldo da inflação. Os efeitos da fúria fiscal são conhecidos: o poder de compra da população cai e o Banco Central pode voltar a elevar os juros, reforçando o círculo vicioso da recessão.

Já passa da hora um acordo político para estabilizar o quadro fiscal, desarmar as expectativas econômicas mais pessimistas e viabilizar as mudanças de que carece a economia para voltar a crescer.

Propostas como o recente programa do PMDB intitulado "Uma Ponte para o Futuro" elevam o nível do debate, pois incorporam pontos de uma agenda difícil, mas necessária, que o governo e o Congresso evitam enfrentar. São pontos de partida para construir o consenso mínimo e aglutinar as forças interessadas na retomada do desenvolvimento. E ajudar a destravar o xadrez político para o país sair do imobilismo antes que o que já está ruim piore de vez.


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