Folha de S. Paulo


Um mero espectador

O cenário brasileiro não poderia ser mais adverso: economia em recessão, ajuste fiscal sem solução e colapso do investimento, do emprego e das exportações. O debate sobre como sair dessa situação é intenso, mas restrito à agenda interna. Pouco se fala da agenda externa, desprezando-se o que poderia ser um empurrão para sairmos da crise.

Redefinir a política de comércio exterior exige coragem, começando pela remoção dos privilégios da proteção contra a concorrência externa, usufruídos por setores econômicos. O descaso com o comércio exterior agora cobra um preço elevado.

A corrente de comércio do país está estagnada há mais de uma década em torno de 20% do PIB, enquanto passa de 40% nas maiores economias emergentes. Perdemos um longo tempo em negociações multilaterais da OMC, que nunca avançaram, e priorizamos o comércio com África e América Latina, regiões menos dinâmicas que os blocos de Europa, Ásia e EUA.

A novidade é ressurge em duas mega negociações capitaneadas pelos EUA: com a União Europeia, ainda aberta, e com 11 países do Pacífico, fechada dias atrás. O avanço do Tratado Transpacífico, que reúne 40% do PIB global, evidencia a urgência do tema para o Brasil.

Mais: mostra que grandes acordos comerciais dizem, sim, respeito a nós brasileiros e expõe o alheamento do governo a essa tendência, o que acentuará a irrelevância do país no comércio mundial. Amarrado ao Mercosul, o Brasil continua olhando de esgueira para entendimentos com economias de peso.

O país também desprezou a reorganização da produção e distribuição com base em cadeias globais de valor, que hoje dominam mais de dois terços do comércio mundial. O Brasil tem participação diminuta nessas cadeias, dado o baixo conteúdo de bens e insumos importados (11% em média) incorporados às exportações de manufaturados.

Ficamos para trás nesse processo, ao insistir com o defasado sistema de tarifas de importação e ao multiplicar restrições ao livre-comércio. Também não desenvolvemos a contento a educação, a infraestrutura, as tecnologias de informação etc. –cruciais para a competitividade.

Tudo o que fizermos agora parecerá pouco diante do formidável atraso acumulado. Não nos resta alternativa senão conceder prioridade máxima à mudança da política externa, envolvendo medidas como a redução unilateral, com prazo predefinido, das tarifas de importação e dos instrumentos de proteção, sinalizando nossa disposição de aproximação com parceiros relevantes.

Adicionalmente, a agenda para a área externa deve considerar alguns princípios. Primeiro, a negociação de acordos preferenciais com países desenvolvidos e emergentes capazes de trazer impactos reais para a renda nacional, ao permitir a abertura de mercados de exportação e facilitar a importação de bens de alta tecnologia.

Segundo, a inserção agressiva nas cadeias globais de valor para alavancar as exportações e aumentar as importações de bens intermediários de menor custo e maior conteúdo tecnológico. A redefinição dos interesses na OMC é também necessária, focando o tratado sobre tecnologia da informação e a nova rodada de serviços. E deve-se rever o Mercosul para desobrigar os países a negociar acordos em conjunto.

De tudo isso, uma coisa é certa: o povo brasileiro não está entre os beneficiários de nossa inapetência na economia global, mas, sim, alguns grupos empresariais. Cabe ao governo redirecionar a economia para uma agenda necessária e do interesse da nação, retirando-nos da posição de mero espectador.


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