Folha de S. Paulo


Do problema à solução

Se o governo pretende, de fato, revitalizar a política de comércio exterior, como sugerem os sinais de abertura a outros mercados emitidos nos últimos meses, não há como evitar uma tarefa tão imprescindível quanto complexa: a revisão das diretrizes que regem o Mercosul.

Criado há 24 anos, o bloco regional não só se afastou de seu maior objetivo, que era o estabelecimento de uma zona de livre-comércio, como se transformou, nos últimos anos, em camisa de força para a inserção dos países-membros na economia global, devido à cláusula de que todas as decisões sejam por consenso.

A assimetria dos momentos econômicos entre os cinco sócios do Mercosul, sobretudo Argentina, impede que se abram as portas aos acordos entre países ou regiões, na sequência do travamento do multilateralismo no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

Trata-se de um movimento que está redesenhando as regras e os fluxos do comércio no mundo sem que dele participemos de maneira firme e construtiva. Esse alheamento já nos cobra um alto custo.

As negociações em curso não mais têm como foco a redução de tarifas. Nas economias avançadas e entre os grandes emergentes, as alíquotas de importação se encontram em patamares mínimos. As barreiras comerciais em causa nos acordos são de outra ordem.

O que se põe sobre a mesa de discussão são temas que dificultam ou oneram a expansão do comércio, como regras fitossanitárias, normas técnicas, processos alfandegários e cipoal tributário. Também ganham espaço outros itens importantes, como investimentos, tecnologia, relações trabalhistas e ambiente.

A simplificação e eliminação de barreiras não tarifárias é uma linha que acertadamente o Ministério do Desenvolvimento vem perseguindo como prioridade.

A facilitação nos procedimentos de importação e exportação abre caminho para que haja maior integração entre as cadeias globais de produção, que se tornou o arranjo preferencial de organização industrial dos conglomerados multinacionais.

Hoje, mais de 50% da corrente comercial no mundo acontece entre as subsidiárias desses grupos instaladas em vários países. Para o Brasil estar nesse jogo, tais empresas precisam dispor de plenas condições de definir modelos operacionais adaptados à sua estrutura produtiva. É assim que um país também se credencia ao acesso às tecnologias que fluem ao longo das cadeias globais.

Remover os impasses que paralisam o Mercosul, portanto, é etapa prévia obrigatória para uma estratégia comercial contemporânea, sem que se tenha necessariamente de renegá-lo. Basta reformá-lo.

Além de sua importância geopolítica, o Mercosul ainda pode representar um mercado significativo para as mercadorias brasileiras. Nos cinco primeiros meses do ano, as trocas com o bloco representaram pouco mais de 9% do comércio total do Brasil. Mas essa fatia, em seu melhor momento, no fim dos anos 1990, superou os 15%.

O que se propõe é a adequação das regras em vigor para permitir a cada membro buscar o que mais lhe convém, deixando aos demais a possibilidade de adesão posterior conforme os seus interesses.

É tarefa, como dissemos, complexa, embora necessária, como a presidente Dilma Rousseff o demonstra, ao buscar desemperrar o acordo que se arrasta há uma década com a Europa e acenar com algo mais que notas protocolares com EUA, México e China. Esse é o "novo multilateralismo" que se impõe –se não um acordo com todos, ao menos com países e regiões relevantes ao Brasil.


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