Folha de S. Paulo


Apenas um paliativo

O ajuste fiscal em curso no país, envolvendo uma mistura de corte de gastos e aumento de impostos, mais este que aquele, tem amplo consenso quanto à sua urgência e algum dissenso quanto ao conteúdo.

Em regra, quem questiona o ajuste o faz não contra o que se espera dele, isto é, a redução do ritmo de engorda do deficit orçamentário, que contribui para a recorrente elevação das sufocantes taxas de juros.

A discórdia está na dosagem do ajuste, se com mais cortes e menos governo ou com adição de novos impostos e o aumento de alíquota dos tributos existentes. Não há acordo nessa discussão, considerada ideológica por muitos, não obstante os fatores envolvidos talvez serem mais bem explicados pela aritmética.

Esses ensinamentos são válidos quando se sabe que por vários anos a despesa fiscal cresceu acima do dobro da receita federal, gerando os deficit cobertos com emissão de dívida que o governo agora quer desacelerar. E assim também foi porque o financiamento do gasto com impostos atingiu não só tamanho recorde entre os países emergentes como colaborou para deprimir a produção pelo lado do custo.

Esse é um dilema físico. A carga tributária de 36% do PIB, segundo dados oficiais, considera só os tributos arrecadados. Mas ela vai a 42% do PIB se for incluído o deficit nominal (6,2% do PIB em 2014). E a arrecadação potencial chegaria a chocantes 47% do PIB (nível da Suécia e da Dinamarca, sem a qualidade superior dos serviços públicos dos países nórdicos), caso os "gastos tributários", o nome da Receita para as desonerações de impostos, fossem zerados.

É certo que, num total de R$ 282,4 bilhões de desonerações, segundo projeção da Receita para 2015 -equivalendo a 21% da arrecadação do ano-, deve haver muito incentivo com a validade vencida.

Alguns já duram quatro décadas, como os da Zona Franca de Manaus. Outros mais recentes estão em causa, como o que mudou o encargo previdenciário da folha de salários para o faturamento das empresas. A revisão dessa parafernália de desonerações deveria ser definitivamente priorizada em qualquer programa de ajuste fiscal em execução ou que venha a ser proposto.

Mas também é certo que se deve questionar o uso mais eficiente dos recursos efetivamente arrecadados. Para 2015, conforme a programação revisada para este ano, eles representarão R$ 1,37 trilhão, 23,5% da projeção oficial do PIB do ano (R$ 5,8 trilhões). Por que não se discute essa alternativa, já que a despesa pública está toda ela praticamente engessada?

Da receita total da União, 92% correspondem a gastos obrigatórios em lei ou na Constituição, o que deixa uma fração para custeio da administração federal, do Bolsa Família e de algo essencial para o futuro do país -o investimento público em infraestrutura.

Tais gastos são importantes, mas a precedência mandatória da despesa vinculada (Previdência, folha de servidores, educação, saúde, encargos da dívida pública) torna essa diminuta parcela do Orçamento a única alcançável por um ajuste fiscal.

Enquanto ação pontual, um ajuste que desidrate o investimento até pode ser compreensível, mas, com tudo o que está na mesa, é inquestionável a conclusão de que o ajuste possível é também de baixa qualidade.

A realidade é que os números fiscais expõem um sistema de contas públicas em frangalhos, que, além da correção em curso, necessita com urgência de uma ampla reengenharia do Estado.


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