Folha de S. Paulo


O caminho virtuoso

As atuais incertezas econômicas e os intensos debates que suscitam na esfera política e na sociedade criam um clima de expectativa sobre o que vai ou pode acontecer. Assim, a confiança se retrai e os empresários colocam projetos em banho-maria à espera de um cenário mais claro.

Em nossa opinião, o caminho virtuoso deveria conciliar as medidas para equacionar o desafio das contas públicas com iniciativas que aprimorem a regulação da economia, abrindo espaço para a inovação
–pré-requisito para promover a competitividade de nossas empresas.

Um bom exemplo é o projeto de lei que regula o uso da biodiversidade para pesquisa científica e tecnológica, que, já aprovado pela Câmara, está em tramitação no Senado.

Tão importante quanto a medida em si é o sinal que ela emite, ao derrubar o argumento falacioso de que as demandas mais imediatas, em razão da urgência e do esforço exigido pelo ajuste fiscal, inviabilizariam as mudanças estruturais.

A correção da rota na política econômica e o aperfeiçoamento do sistema regulatório não são incompatíveis. São dimensões que se complementam. Juntas, alimentam a confiança necessária à retomada do investimento.

O novo marco legal da biodiversidade destrava um tema estratégico para o avanço econômico e social. O Brasil possui o mais variado repertório de espécies do planeta, mas encontra imensos obstáculos para utilizar todo esse potencial. A atual regulamentação, originada numa medida provisória de 2001, não garante condições adequadas para a pesquisa e o desenvolvimento desse fabuloso ativo ambiental.

A biodiversidade brasileira é a mais importante fonte de riqueza da chamada "economia de floresta em pé". Havendo regulação adequada, conforme o objetivo do projeto em tramitação no Congresso, as receitas da exploração sustentável dos recursos naturais tenderão a desestimular a exploração predatória do ambiente, envolvendo as comunidades locais nas iniciativas de preservação da natureza.

Já existem casos bem-sucedidos, como o da cultura do açaí. A inclusão de outras espécies beneficiará milhares de brasileiros hoje à margem da vida econômica do país. Esta é a intenção: reformar os marcos institucionais, de modo que a indústria consiga transformar insumos naturais em produtos sustentáveis e inovadores, além de transformadores das expectativas sociais nessas regiões de fronteira da economia.

O uso da biodiversidade não é uma opção espontânea; é um caminho que precisa ser construído de forma a garantir atratividade para as populações locais e viabilidade econômica para os empreendedores. Só com regras claras e duradouras se fará a travessia de um modelo predador para um sistema sustentável.

Embora raramente me refira neste espaço à Natura, da qual sou membro do conselho de administração, farei exceção para demonstrar o horizonte de oportunidades que a biodiversidade descortina.

No fim dos anos 1990, a empresa iniciou processo de manejo de recursos naturais, apoiado na geração de renda para comunidades tradicionais. Hoje, a Natura é a maior usuária de autorizações oficiais para uso da biodiversidade e líder na partilha, nas populações locais, dos benefícios adquiridos com tal prática.

Os resultados revelam a viabilidade desse novo modelo de desenvolvimento, que considera a floresta e seus povos como parte integrante do desenvolvimento econômico, e não como obstáculos.

O ponto a ser salientado é que caminho semelhante pode ser trilhado por setores como o farmacêutico, que tem na riqueza genética de nosso bioma um manancial de alternativas, seja pelo uso de ativos naturais com propriedades medicinais, seja pela substituição de materiais sintéticos na formulação de medicamentos.

Há importantes etapas a serem superadas para transformar a biodiversidade em um fator de inovação e competitividade para o Brasil.

Passo crucial nessa direção é respeitar o espírito do projeto de lei que se encontra no Senado, sobretudo o dispositivo que elimina a burocrática exigência prévia para pesquisa, o que dará maior segurança jurídica ao processo.

Além de contribuir para a preservação da natureza, por si só um valor do qual não se pode abrir mão, a existência do novo marco regulatório melhorará o ambiente de negócios e criará boas condições ao investimento.


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