Folha de S. Paulo


O acúmulo dos impostos

Muita vontade política e firme determinação são os requisitos para a remoção de um dos maiores entraves à competitividade da economia: o alto custo dos impostos sobre o processo produtivo.

Em grande medida, isso decorre de distorções da estrutura tributária. Em nenhum outro país a cobrança sobreposta ou cumulativa de impostos adquire tamanha envergadura e provoca efeitos tão nefastos para a economia como no Brasil.

O problema aparece quando as empresas não recuperam os tributos pagos ao longo da cadeia de produção, na compra de insumos e serviços, devido a limitações legais, a travas burocráticas ou à recusa da União e dos Estados em honrar essas dívidas. Na prática, isso significa que a incidência de um imposto sobre bens e serviços torna-se, de fato, maior do que a alíquota legal, encarecendo, especialmente, produtos cujas etapas de produção são mais extensas (carros, por exemplo).

Isso ocorre sempre que a base de cálculo do tributo é o faturamento, tais como o ISS e, parcialmente, o PIS/Cofins e o ICMS.

Não é fácil mensurar o ônus para as empresas brasileiras porque cada caso é um caso, mas a consultoria Strategy& calcula que nos setores de base signifique de 10% a 15% dos custos de produção –acréscimo capaz de derrubar a competitividade de qualquer companhia.

Outro dado sugestivo vem da Receita Federal. As empresas sujeitas ao regime baseado no lucro real, que são as grandes empregadoras e maiores exportadoras, declararam ter no final de 2012 créditos tributários de R$ 182 bilhões, o equivalente a 4,1% do PIB ou a 3,6% de suas receitas brutas. A indústria de transformação aparece como a maior credora, com R$ 79 bilhões a receber ou 4,1% do faturamento anual.

Para o universo empresarial, essa dinheirama representa um custo que asfixia a sua competitividade, mas, para o governo, se constitui em financiamento disfarçado, sem juros, dos seus desequilíbrios orçamentários.

Mesmo com o atual ambiente de restrição fiscal e tributária, é imperativo rever essa estrutura de impostos, cujos efeitos nocivos contaminam outros fatores de crescimento, além de provocar perda da competitividade dos produtos brasileiros.

Explica-se: custos tributários excessivos estão associados a níveis mais baixos de investimentos, à queda nas exportações e à crescente penetração de importados, além de reduzir a renda do cidadão. Enfim, o que é barato para o governo sai caro, muito caro, para a sociedade.

A remoção da cumulatividade tributária não requer benesses, vantagens nem incentivos fiscais, mas acarretará menor arrecadação pelos governos, que certamente desejarão compensar a perda elevando outros impostos. No estudo "O Cúmulo da Cumulatividade Tributária", o Iedi recomenda uma sequência de medidas para dar maior equilíbrio e racionalidade à questão.

A primeira providência é não criar novos tributos cumulativos. Um compromisso nesse sentido é importante no momento em que a reedição da CPMF começa a ser ventilada.

O passo seguinte seria um "acerto com o passado". Trata-se de reconhecer a existência de tributos acumulados e não devolvidos e criar um sistema de securitização desses créditos, possibilitando seu pagamento no médio ou longo prazo.

O caminho mais viável para tal modelo seria o desenvolvimento de um mercado secundário para dar saída às empresas que desejem ou necessitem receber rapidamente esses recursos.

O estudo do Iedi também sugere uma redução significativa da cumulatividade da estrutura tributária, com mudanças na incidência das alíquotas sobre bens e serviços (como ICMS, IPI, Cofins, PIS). O objetivo seria aproximá-la do modelo mais usado internacionalmente, no qual os impostos incidem sobre o valor adicionado, e não sobre o faturamento.

Nada disso dispensa a necessidade de uma reforma constitucional para tratar da atualização do regime tributário, sobretudo a introdução do imposto sobre valor adicionado, o IVA existente em vários países, substituindo todos os tributos cumulativos.

O redesenho dessa estrutura exigirá vigoroso esforço de negociação e a adaptação de governos e empresas. Sem isso, contudo, nossa competitividade continuará sendo minada, distanciando cada vez mais a perspectiva de retomada do crescimento econômico.


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