Folha de S. Paulo


Um potencial ignorado

O compromisso para a apresentação de metas visando à redução das emissões de carbono recomendado no documento final da Conferência Mundial do Clima, encerrada no início desta semana, pode parecer restritivo ao desenvolvimento dos países emergentes.

Não é essa a nossa visão. Ao contrário. Além de a preservação do ambiente ser por si só motivo suficiente para colocar o assunto entre nossas prioridades, o compromisso de metas proposto no encontro realizado em Lima, Peru, exigirá investimentos na busca de atividades e produtos sustentáveis. Bem conduzidas, essas iniciativas alimentarão o crescimento e favorecerão a integração do país na economia internacional.

Os resultados da conferência, é verdade, ficaram aquém dos esperados e decisões importantes foram postergadas para a próxima etapa, a ser realizada em 2015, em Paris. Mas os avanços obtidos sinalizaram que, cedo ou tarde, a economia de baixo carbono vai impor-se como pré-requisito do desenvolvimento econômico e social no mundo.

Para se inserir nesse processo, o país deveria rapidamente tratar essa nova economia como um vetor da política de desenvolvimento, promovendo esforços mais vigorosos para reorientar o sistema de inovação nessa direção.

É pertinente também encarecer, mediante tributação adequada, produtos com alto impacto ambiental. O conjunto dessas ações deve ter como premissa a melhora da qualidade de vida da população e o estímulo do dinamismo econômico, em conformidade com o princípio de que a política industrial do século 21 deve privilegiar setores emergentes, e não os que já se encontram em estágios avançados de maturidade.

A conjuntura global é favorável a esse movimento, já que atores centrais da economia guindaram o ambiente a um papel de protagonismo necessário. O governo dos EUA comprometeu-se com a redução de 30% das emissões de CO2 na geração elétrica até 2030. A China, por sua vez, incluiu a proteção ambiental entre os indicadores de avaliação dos gestores públicos.

Preocupação idêntica se espraia pelo universo empresarial, com a incorporação de princípios sustentáveis às estratégias de negócios. Grandes corporações, como Walmart e Coca-Cola, incluíram esses preceitos nos processos internos, nos critérios de seleção de fornecedores e no desenvolvimento de produtos.

Há também crescente adesão das organizações ao conceito B Corp, roteiro de avaliação que mede o comprometimento com modelos de negócios sustentáveis. São quase 1.200 empresas certificadas em 37 países.

Investidores têm avaliado positivamente tal mobilização, constatado pela valorização no mercado dos ativos empresariais, como demonstra levantamento do IFC (International Finance Corporation). Segundo a entidade, nos últimos cinco anos, o Dow Jones Sustainability Index apresentou, em média, desempenho 36,1% superior ao do índice tradicional da Bolsa de Valores de Nova York.

O Brasil tem longo caminho a percorrer para se alinhar a essa visão. Se, de um lado, vislumbra a possibilidade de conquistar espaço relevante no mercado que se abre, de outro, não faz a lição de casa básica. Hoje, mais da metade dos municípios não dá tratamento sanitário correto ao lixo, embora o prazo legal para que se adaptassem à exigência tenha se esgotado em agosto.

Em contrapartida, há exemplos estimulantes do poder transformador das políticas públicas mundo afora. Na década de 1990, a Alemanha definiu como prioridades as tecnologias que tornassem a matriz energética mais limpa e possibilitassem o advento de uma indústria especializada na área. Assim, o país se tornou o maior mercado de energias renováveis da Europa. Empresas alemãs estão entre os principais exportadores de equipamentos e sistemas de energia solar e eólica.

O Brasil pode seguir caminho semelhante. A escala do nosso mercado interno fornece a base necessária para erguer uma estrutura de geração de energia apoiada em fontes renováveis e limpas e estabelecer diretrizes voltadas à mobilidade urbana.

Não faltam os recursos necessários para a inserção na economia verde. Faltam disposição e política dedicada a esse objetivo. A conferência das Nações Unidas encerrada dias atrás em Lima nos dá a oportunidade para uma necessária correção de rota.


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