Folha de S. Paulo


Um exemplo para o Brasil

Aos que se apegam à necessidade de grandes coalizões de partidos como remédio universal para a governabilidade e a aprovação no Congresso de emendas constitucionais e projetos de lei, eventos recentes no México fornecem um contraponto essencial.

As reformas patrocinadas pelo presidente Enrique Peña Nieto, com menos de dois anos de governo e a despeito de um cenário político hostil e graves dificuldades econômicas, além da falta de maioria parlamentar, merecem observação atenta, já que há pontos em comum com a situação brasileira.

México e Brasil têm as duas maiores economias da América Latina e compartilham semelhanças como alta taxa de criminalidade, corrupção endêmica, burocracia pesada e interesses diversos encrustados como ostras ao Estado, prontos para vetar reformas e interditar debates que ameacem seus privilégios.

Jovem liderança do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o país por 71 anos e estava havia 12 na oposição, Peña Nieto propôs mudanças profundas uma vez eleito -parte não explicitada na campanha eleitoral.

Em vez de negociar a maioria parlamentar negada pelas urnas, ele instou os partidos de oposição a endossar a agenda de reformas, incluindo a quebra do monopólio da estatal petrolífera Pemex, implantado pelo próprio PRI em 1938 e nunca mais revisado.

O entendimento começou pela construção do que chamou de Pacto pelo México -o consenso reformista firmado com os outros dois maiores partidos do país: o conservador PAN, que elegera os dois presidentes anteriores, e o esquerdista PRD. Depois, com um ou com outro, mas sem veto de nenhum, teve maioria para aprovar as mudanças.

Elas foram muito além da abertura do setor petrolífero, que vem em decadência acelerada (de 3º maior produtor mundial nos anos 1980, o México desabou para o 10º lugar).

Nesse mesmo embalo, foi aprovada a quebra de outros monopólios -de direito, como do setor elétrico, a virtuais, caso dos setores de telecomunicações e televisão, em que é grande a concentração de mercado. E continuou com mudanças da área fiscal, do crédito, da educação. A sacudida tem sido geral.

Eis aí não somente um experimento político, com ampla repercussão econômica, mas um testemunho de que habilidade política, capacidade negociadora e persistência de propósito podem despertar um senso de união em benefício do interesse nacional mesmo onde havia acirrada rivalidade entre os partidos e poderosos lobbies corporativos.

Dos choques entre percepção de exaustão do desenvolvimento econômico e social, tal como da confiança da sociedade no sistema político, e interesses contrariados, prevaleceu a razão nacional.

As sondagens de opinião no Brasil captam sentimento semelhante. A sociedade pede qualidade da saúde e educação providas pelo Estado e maior zelo com a segurança pública, a mobilidade urbana, melhor uso dos dinheiros dos impostos, fim da impunidade da corrupção e também da inoperância administrativa tratada com descaso, sem sanções.

Não há como promover a qualidade da gestão pública sem um sistema que contemple a meritocracia e contrarie interesses acomodados. Essa foi uma das motivações da reforma da educação no México. No Brasil, porém, tais assuntos têm sido apenas tangenciados na atual campanha eleitoral, que, a princípio, seria um fórum ideal para debates aprofundados nesse sentido.

Não se trata de pegar os mesmos temas e mesmos processos seguidos pelos mexicanos e implantar no Brasil. Os cenários, as prioridades e as necessidades são distintos. Mas importa entender a metodologia para construir uma coesão que possa cogitar um "Pacto pelo Brasil" para superar problemas, destravar o progresso e reaver a confiança.

Para quem julga tais processos como neutros para a confiança e a economia, recomenda-se olhar o que já está acontecendo no México: o crescimento, segundo o radar das consultorias, tende a se aproximar de 4% em 2015, saindo de 1,1% em 2013, com inflação cadente, desemprego baixo e estável e juro equivalente à nossa Selic de 3%, contra 11% no Brasil.

E isso com o grosso das reformas ainda em implantação, como a licitação de 109 blocos e 60 campos de produção de petróleo anunciada para 2015, em competição direta com o pré-sal. Em linguagem futebolística, o México saiu da retranca.


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