Folha de S. Paulo


Sócio mirim da globalização

Recentemente, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, foi preciso ao afirmar que o país necessita "encontrar novos motores de expansão da economia", já que, acrescentou, o "crescimento gerado apenas pela absorção de mão de obra tem limite". A necessidade e as limitações da economia estão claras. Opacas continuam as soluções.

Sempre considerada como saída extrema em cenários de descompasso das contas externas, a desvalorização cambial já não tem se revelado o energético imbatível para incrementar as exportações, ao mesmo tempo em que enfraquece as importações. O real já sofreu impressionante desvalorização de mais de 50% nos últimos três anos, sem conseguir reverter o viés deficitário da balança comercial. O saldo baixou de US$ 29,8 bilhões em 2011 para US$ 2,6 bilhões no ano passado e está no vermelho neste início de 2014.

É tempo de considerar outras explicações além do câmbio. O horizonte nebuloso da economia, mais precisamente da indústria e, dentro dela, os amplos setores inseridos nas cadeias produtivas globais, é o ponto a desvendar.

Não é casual que a indústria (exceto a extrativa) esteja em rota deficitária em seu comércio exterior desde 2006. A questão a considerar, no entanto, não é bem a importação que decorre da adição crescente de partes e insumos importados ao processo produtivo. Isso é assim em todo o mundo. O dado destoante é a participação ínfima de nossa indústria nesse processo integrado de trocas de insumos entre as várias pontas dos grupos industriais globalizados.

É essa lacuna que explica boa parte da contribuição negativa da indústria para o crescimento do PIB, função da perda de importância da exportação manufatureira. Trata-se da atividade que mais investe no Brasil, em grande parcela sob a forma de investimento estrangeiro direto (IED), constituindo um fluxo estável e de longo prazo de recursos para o equilíbrio das contas externas.

Em suma, a indústria investe sem a contrapartida de um crescimento econômico proporcional. É uma anomalia. E é também uma grande oportunidade para desatolar a economia.

Com o estoque de IED representando 27% do PIB em 2010, ante 5% em 1995, a indústria de transformação no Brasil não está à margem do desenvolvimento em grandes centros econômicos como EUA e China, mas nem assim consegue inserir-se como outros países nas cadeias globais.

Outro ponto a considerar é sobre o papel das multinacionais nas transações de bens e serviços no mundo. Elas respondem por 80% do comércio global. E 28% das exportações industriais vêm da troca de insumos de produção dentro das cadeias de valor. Estamos alijados dessas duas correntes, mas vamos muito bem quanto às importações.

O caso emblemático é o do iPhone. O aparelho é montado na China com partes importadas de uma dúzia de fornecedores em outros países e reexportado para o mundo. O iPhone já é montado no Brasil, em nada diferindo do produto chinês exceto por uma faceta: o preço com impostos, considerando a versão 5c de 16 GB desbloqueada, é o maior entre os 40 países listados pela Apple. Sabe-se que a maioria das exportações industriais no mundo é isenta de impostos. Noutros casos, sobretudo na Ásia, o preço alto no mercado interno subsidia um pedaço do custo do bem exportado.

Aqui, tributa-se muito o mercado interno, só que sem nexo com a competitividade da produção. Vários ramos da manufatura no Brasil produzem bens, como o iPhone, similares aos de outros países, mas, por razões de custos altos, de impostos não compensados, de logística cara, de câmbio desajustado, não têm competitividade para exportar, mesmo com a crescente internalização de suas cadeias de suprimentos.

Qual a lição que se extrai disso? Que o parque industrial, em geral, não consegue fazer de sua escala de produção no mercado interno uma vantagem para avançar também exportando. Eis um ponto em que o crescimento empaca. Trata-se de desperdício, considerando que a economia padece de baixo crescimento e necessita de novas fontes de expansão, conforme o alerta de Tombini.

Nossa indústria poderia desempenhar esse papel, já que parte dela faz o que o mundo está demandando. O que falta é um esforço combinado de uma ação mais empreendedora da indústria e de uma política econômica mais ofensiva e indutora da redução de custo e do aumento da concorrência.


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