Folha de S. Paulo


Por um capitalismo inovador

O negativismo que permeia as análises sobre a economia brasileira, em contraste com a percepção de bem-estar especialmente da base da pirâmide de renda, é o grande desafio que confronta o país sobre o que fazer para desobstruir a aceleração do crescimento sem implicar retrocesso dos avanços sociais. Essa é a equação prioritária para a engenharia política e a formulação da política econômica.

O ponto a questionar é se estamos dando devida atenção às causas primárias que embaraçam o crescimento econômico ou tomando sequelas desse processo, tais como pressões inflacionárias, baixo dinamismo do PIB e desvalorização da moeda, como os problemas prioritários da agenda de desafios.

Certamente, eles o são no curto prazo. Deficit externo crescente e financiado com capitais voláteis não tranquiliza ninguém. Nem a expansão econômica -que condiciona a receita dos governos- abaixo do ritmo de avanço no gasto público. Tais eventos serão problemas realmente sérios, se faltar convicção de que a economia vá gerar os resultados necessários para os compromissos presentes e futuros. Esse é o ponto mais discutível e pouco falado.

A verdade é que dois dos principais fatores que explicam a taxa de crescimento econômico de um país são o aumento da força de trabalho e a produtividade da mão de obra.

Após uma década de expansão dirigida pelo consumo, o ritmo do aumento relativo da população economicamente ativa vem encolhendo, um fenômeno contra o qual há pouco o que fazer. A taxa de natalidade, um dos determinantes desse processo, caiu de 4,1 nascimentos em 1980 para 1,8 e continua a cair.

O esgotamento das oportunidades da "janela demográfica" ocorre em outros partes -do Japão à Alemanha, da Itália à Rússia, países em que a população diminui a cada ano-, não é um viés estritamente brasileiro. Mas as consequências dependem do que se faz com a outra parte do impulso do crescimento: a produtividade. Essa é a perna realmente manca de nossa economia.

Três quartos do crescimento do PIB na última década, segundo a consultoria BCG, vieram do acréscimo do número de pessoas empregadas, ante apenas 26% de ganhos de produtividade -conceito que abrange da melhor qualificação da força de trabalho aos gastos em automação e tecnologia pelas indústrias e superação dos gargalos de infraestrutura. O modelo econômico cujo vigor era baseado na expansão da mão de obra ficou para trás. O governo tem se aplicado em aliviar os constrangimentos estruturais. O plano de concessões de ativos de logística faz parte desse esforço.

Mas cabe indagar se o deficit acumulado da produtividade, que continua crescente em áreas mais difusas (como da segurança jurídica, da legislação trabalhista e das normas regulatórias) pode ser vencido sem mudança de conceitos e contribuição mais ampla da sociedade e do setor privado.

Como sugeriu o fundador do Khosla Ventures, um dos maiores e mais bem-sucedidos fundos de investimento em start-ups de tecnologia de ponta dos EUA, Vinod Khosla, referindo-se à Índia, seu país natal, "novas ideias são mais importantes que capital". Dificilmente elas florescem em ambientes burocratizados. Mas onde governos encorajam o capitalismo inovador em contraponto à prescrição ditada do alto para baixo, disse Khosla, em artigo, o resultado transcende as expectativas.

Se estimuladas com incentivos apropriados, mesmo grandes empresas, acostumadas mais a proteger seus mercados que a inovar, diz Khosla, podem surpreender. Provocador, ele sugere, por exemplo, uma espécie de prêmio tributário da ordem de 10% para 25% da produção de carros mais eficientes, aplicando-se a mesma regra, mas como tributo punitivo, para os 25% menos eficientes. Para ele, isso seria mais eficaz do que fazem os EUA -e o Brasil-, ao impor meta de economia do consumo por quilômetro rodado até 2025, sem nem se saber qual tecnologia estará disponível em médio prazo.

O que desiniba as transformações e encoraje o nascimento de negócios emergentes, especialmente de base tecnológica, ajudará a encaminhar a solução do que só o governo pode resolver, como problemas regulatórios e de infraestrutura. Onde viceja a criatividade costuma prosperar a confiança, hoje, talvez, nosso déficit mais preocupante.


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