Folha de S. Paulo


Brasileiro encarna 'Exu motoboy' nas temporadas de moda europeias

Enquanto a indústria da moda ainda tropeça no trato da diversidade, com um sem fim de notícias sobre apropriação cultural e falta de modelos negras na passarela, um estilista pernambucano emulará o sincretismo religioso do país em performances marcadas para esta sexta-feira (15), em Berlim, e no domingo (17), em Paris.

Convidado pelo governo alemão e pelo espaço francês de experimentação artística La Capela, Cássio Bomfim, 28, mostrará na Europa, em plena temporada internacional de desfiles de verão 2018, seu estudo sobre as representações das figuras religiosas da umbanda e o processo de colonização da vestimenta nacional.

Travestido de Exu, orixá execrado pela cultura ocidental por supostamente remeter ao demônio, Bonfim conectará, por meio de roupas e encenações nas ruas, a figura da entidade à do motoboy, que, segundo ele, é o "protagonista da comunicação e do transporte" nas cidades brasileiras e uma espécie de Exu contemporâneo, "indesejado e de natureza tensa pelo uso da moto como instrumento de fuga criminal". Na cidade do estilista, vale ressaltar, assaltantes costumam usar motos.

Além de versar sobre o maniqueísmo intricado no discurso religioso do país, cuja ideia de
bem e mal descamba em reações como as do caso do cancelamento da mostra "Queermuseu", em Porto Alegre (RS), "Salve Exu Motoboy!" pode ser lido como uma crítica ao sistema da moda.

Bomfim tira a roupa da bolha fashionista ao colocá-la como ferramenta, e não como personagem principal, para tentar reverter estigmas culturais ligados ao sincretismo e à figura do motoboy.

As coleções são lançadas sem data definida e expostas não apenas nos desfiles a céu aberto, mas também nos vídeos e nas fotos produzidas por artistas visuais. Entre eles está a dupla Barbara Wagner e Benjamim de Burka, reconhecidos pelas séries de imagens da periferia brasileira.

"Há um sistema inconsciente no meio da moda que coloca as pessoas 'escolhidas', brancas, ricas e magras, como única opção de representatividade. Acredito em um sistema híbrido, com participação mais ampla da identidade nacional", diz o estilista.

Os participantes das performances são escolhidas por meio de chamadas públicas em redes sociais. Oito cidades brasileiras já sediaram os "happenings" do Exu motoboy, de João Pessoa, na Paraíba, a São Paulo. É a primeira vez que as apresentações saem do país.

No fim do ano, a dupla de cineastas Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira lançará um filme com o personagem, fruto de um episódio da série "África da Sorte", que conta em cinco episódios as histórias de personagens de um país africano fictício colonizado por Portugal.


Endereço da página:

Links no texto: